domingo, 23 de fevereiro de 2020

Diário de um louco

Capítulo 1-A chegada na Clínica. Era 1890 quando cheguei a clínica psiquiátrica Real em Derbyshire para prestar meus serviços como esculápio, tomei conhecimento de uma história um tanto quanto incomum. Segundo o que me relatou o dr. Sheldon diretor da clínica, um fato que sucedeu-se a passados quarenta e dois anos ainda estava vivo em sua memória como se fosse nos dias de hoje. Inverno de 1848, o frio rigoroso castigava boa parte da Inglaterra fazendo com que todos permanecessem protegidos em suas casas. E justamente em uma congelante noite de inverno que os funcionários da clínica avistaram alguém vagando pelo bosque que rodeava os muros da instituição. Um homem magro de estatura pequena e com suas roupas em frangalhos. Estava quase a congelar por completo, muito debilitado e falando palavras sem sentido algum. Após ser recolhido a enfermaria, medicado, alimentado e aquecido, disse que seu nome era Franz Gutemberg e que havia passado por terríveis experiências,que segundo ele eram quase inacreditáveis. Com o passar dos dias o dr. Sheldon notou que Franz sofria de distúrbios constantes, alucinações, e que dizia ouvir vozes a todo instante, que mantinha uma conexão mental com seres de outros planetas. Em seus raros momentos de lucidez Franz demonstrava um conhecimento acima da média em matemática e astronomia, segundo o delirante paciente existia vida em outros planetas do sistema solar. Era algo que até aquele momento parecia totalmente irracional. Na noite de Dezembro de 1853, cinco anos após a chegada de Franz, os enfermeiros avistaram o pequeno paciente deitado ao chão no jardim do sanatório, braços abertos e o olhar fixo para o céu, como se estivesse a espera de algum sinal de seus imaginários amigos. Nenhuma importância maior foi dada ao fato e somente alguns minutos depois é que perceberam que o delirante paciente havia sumido de maneira ainda incompreensível, e nunca mais foi localizado. Ao revistarem o quarto de Franz os enfermeiros encontraram um pequeno diário onde ele fazia anotações desde antes de sua chagada ao hospital. E me foi passado as mãos pelo dr. Sheldon. Posso afirmar que são relatos inacreditáveis. E são algumas anotações deste diário que transcrevo agora. Se é verdade ou simplesmente devaneio de uma mente doentia cabe ao leitor decidir, mas lembre-se de deixar sua imaginação guiar seus passos. Existem muitas coisas que não conseguimos entender, muitas coisas que não podemos controlar. Na verdade quando se aprende a conviver com estes pensamentos vemos que é isto que torna a vida desafiadora. Capítulo 2 – diário página 05 – A Cidade das Criaturas! O lusco fusco do anoitecer começava a cair sobre a cidade e com ele o perigo. Na luz quase penumbra do final de tarde um vulto surgiu repentinamente saindo do beco, não lhe via o rosto mas era desnecessário, a sombra que se movia com rapidez parecia estranhamente ameaçadora, o movimento de sua capa tocada pelo vento, semelhante as asas de um pássaro deixava ainda mais intrigante a apressada figura. Enquanto esgueirava-me pelo obscuro local julguei ter ouvido um ruflar de asas, alguma coisa sobrevoava a pequena e escura ruela, um calafrio percorreu todo meu corpo, era como se algo extremamente maligno pairasse sobre mim. As casas mais altas não permitiam que o resto de luz do crepúsculo alcançasse a viela e a escuridão tornou-se absoluta. Silenciado pelo medo caminhei apressadamente até a fraca luz do lampião que vinha da janela da boticária do Sr. Valdorth, era imperativo sair daquele sinistro local. Percorri o restante do caminho até minha casa quase a correr e ao entrar fechei rapidamente a porta, recostei-me nela e por alguns segundos permaneci imóvel até abrandar as arfadas que aceleravam meu coração. Levei comigo uma vela para iluminar o caminho até meu quarto, mas enquanto subia vagarosamente as escadas, com as pernas ainda a tremer, as sombras pareciam lançarem-se sobre mim em um fantasmagórico balé entre a fumaça do lume. Abri a janela de meu aposento, pois a curiosidade superava o medo. A noite que havia chegado estava nevoenta, úmida e cheirando a tempestade que já se aproximava. Um vento forte e muito frio tomava conta do ar. Apesar do ar congelante da noite, uma multidão sui-gêneris se acotovelava para passar pelo portal de acesso aquela estranha cidade. Em meio aos carroções carregados com peles e burros com enormes fardos de lenha amarrados ao dorso, via-se hebreus, capadócios, árabes, indianos, frígios, bizantinos, armênios, citas, romanos, faunos que nascem dos vermes que se formam entre a casca e a polpa das árvores, sereias de cauda escamosas carregadas por caçadores, etíopes de corpo completamente escuro que se protegem do sol escavando cavernas, cinocéfalos, homens da ilha Circe e cervizes dos mais variados animais. Em poucos minutos um forte temporal veio do céu com toda sua força e o vento sacudia as placas dos currais, a água vinda da chuva emergia em torrentes ruidosas que saiam dos enormes tubos de chumbo instalados nos telhados com a finalidade de escoar o aguaceiro. Quando a noite se aprofunda, aos poucos o lugarejo assume ares de malfazeja e figuras nefastas, seres malignos, bizarros na aparência e maléficos em suas intenções esgueiram-se pela escuridão. Mordazes viperinos transitando a solta, livres para espalharem o mal sobre a terra. Assim são os habitantes de Talibem, conhecida como a cidade das criaturas. Subitamente um grande e longo grito, um urro como que saído das gargantas de mil demônios pareceu atravessar a furiosa tempestade. Era por demais angustiante e cruel o que sentia naquele momento, teria que abandonar aquele diabólico vilarejo o mais rápido possível. Aguardei a tempestade abrandar-se e joguei algumas roupas em um velho Alforje e cautelosamente sai em direção ao portal de Talibem, único ponto de saída do local. A noite era escura, a chuva ainda era forte, o vento tocava minha capa e dificultava a caminhada. Ao passar o portal um estranho clarão de cor avermelhada surgiu, parei amedrontado e olhei em volta procurando a fonte daquela luminosidade. Ao fazer isto percebi minha própria sombra projetar-se a frente na estrada enlameada, e da mesma forma quando me girava para outro lado a luz continuava vindo de trás, era incompreensível, mas muito real. Voltei-me outra vez, e mais outra, virando de um lado para outro como um louco a dançar em meio a uma tempestade, mas a sombra sempre estava a minha frente, e a estranha luz vindo sempre de atrás. Mesmo temeroso com o que poderia me acontecer naquela noite, segui em frente com as roupas totalmente encharcadas, atravessei o imenso lamaçal para chegar a estrada principal. Mas para onde eu iria, se é que tinha para onde ir, e o que faria quando lá chegar. Após uma longa caminhada já estava exausto e faminto, com os pés congelados. A noite parecia não ter fim, porém sabia que não deveria voltar e isto dava-me coragem para prosseguir. Após mais algumas milhas cheguei a estrada, era larga e reta e haviam galhos caídos ao chão, certamente jogados pela forte tempestade,era um cenário desolador, mas que eu esperava iria levar-me a um lugar seguro. As copas das árvores cobriam todo caminho, gigantescos galhos formavam um nebuloso túnel, era como adentrar em um mundo de escuridão para fugir de algo semelhante. O vento havia enfraquecido mas ainda chovia muito, caminhei lentamente pelo que pensei ser o centro da estrada, tentando ver algo em meio a escuridão, estava apavorado, parecia-me ouvir estranhos ruídos entre as árvores, como sussurros em um idioma ainda por mim desconhecida. Uma fuga insana, ouvindo vozes insanas, com pensamentos confusos em uma noite de trevas. Certa vez alguém disse que o homem que foge de seus medos acaba por ser derrotado por eles, creio que esta profecia pairou sobre minha cabeça naquela noite como uma nuvem tão sinistramente negra quanto as horrendas sombras das árvores. Ninguém além de nós mesmos conhecemos nossa verdadeira natureza, pois as pessoas que estão ao nosso redor veem apenas uma pequena amostra do que realmente somos. A mente controla o corpo, mas quem controla a mente? Já extenuado pela caminhada cai ao chão e senti meu corpo enrijecer, tinha a certeza de estar consciente, se é que existe tal certeza, mesmo assim olhei para a escuridão da floresta e vi um fantasmagórico vulto, tenebroso e terrível que pairava sobre mim, por um momento senti meu peito apertar, estava quase sufocando. Tomado de tamanho desespero não consegui mover um milímetro sequer, e em seguida a imagem de um horrendo rosto, descarnado e desfigurado estava a encostar-se no meu, senti seus finos, longos e ossudos dedos tocarem meus olhos e cobrirem minha já confusa visão. Embora creio eu, tudo isto não passasse de alucinações provocadas pelo cansaço e pela terrível experiência por mim vivenciada e que ainda está muito palpitante em minha memória, pareceu-me ser muito real aquela malévola sombra com olhos vermelhos, como se desejassem levar algo que eu certamente não entregaria, talvez minha alma. E tudo em minha volta foi tornando-se umbroso, nevoento, e um odor de putrefação penetrou em minha narinas. Tudo foi apagando-se aos poucos. Capítulo 3 – diário página 11 – A ilha das tartarugas Minha mente ainda estava bastante confusa, quando alguém segurando-me pelo braço e sacudia-me violentamente. Minha consciência foi recuperando-se lentamente vagarosamente, meus olhos abriram-se e uma forte luz me fez virar o rosto para o lado. Era a luz do sol, eu estava caído em algum lugar, em fim a horrenda noite havia dissipado-se. ---Senhor...senhor...ainda bem que estas vivo. Como chegou até aqui? Ajoelhado ao meu lado estava um homem velho com longos cabelos ruivos e uma espessa barba, sua roupa bastante desgastada e rasgada. – Levante...vou levá-lo até minha cabana. Disse ele Segurando meu braço esquerdo ajudou a erguer-me, notei que estava em uma praia, e enquanto era carregado por ele observei que em seu pé direito havia um grilhão com dois elos de correntes presas a ele, certamente era um prisioneiro, ou um fugitivo. Pouco importava, eu precisava entender o que estava acontecendo, que lugar era aquele, como cheguei ali e quem era meu novo e tão prestativo amigo. Certamente ele também estava confuso sem saber como eu havia chagado até aquele local, mas isto era algo que eu também não conseguia explicar. A poucos metros da praia havia inúmeras rochas, irremediavelmente teríamos que por elas passar para chegar até um jângal onde os finos talos alcançavam quase a minha altura, visto que minha estatura não é muito alta. Em meio aos juncos havia um espaço sem vegetação, o solo totalmente coberto por pedriscos das mais variadas cores,e ali erguida com troncos de madeira ficava o habitat de meu esfarrapado amigo, era uma pequena choupana coberta com enormes folhas de coqueiro. Conseguia visualizar ao longe uma pedra muito alta, creio eu ser talvez a mais alta da estranha ilha. Encravada no alto desta gigantesca pedra havia entalhes que formavam o formato de duas cabeças,duas cabeças de tartarugas creio eu, era como se fossem feitas a mão devido sua perfeição nos detalhes. Mas é claro,ninguém arriscaria com certeza chegar a tal altura. Adentramos a velha cabana e meu estranho amigo deitou-me sobre uma esteira de folhas, passou-me as mãos um estranho liquido dentro de uma metade de uma casca de coco. ---Beba...são sucos de ervas da ilha. Disse ele. – Meu nome é Patrick Watckins, sou irlandês, Disse ele...e continuou a falar enquanto segurava minha cabeça para que continuasse a tomar o líquido esverdeado e amargo. – Eu estava no barco norueguês do capitão Lorentz, batemos nos rochedos que circundam a ilha Marchena. Consegui pegar um bote e cheguei a esta ilha, nada sei quanto aos outros prisioneiros. --- Prisioneiros? Perguntei assustado. – Sim...era um navio de reclusão. De imediato me veio a mente temores diversos. Quem seria o habitante daquela estranha ilha? Seria ele um assassino? ou um ladrão? E que estranha ilha seria aquela? – Em que ano estamos? Perguntei ---Em 1847. Respondeu Patrick vendo que eu estava completamente confuso. Contei-lhe tudo que havia acontecido comigo, a fuga, o desespero na floresta, e todo resto. Mas o intrigante ainda era o fato de não saber explicar como cheguei naquela estranha ilha. Patrick disse-me chamá-la de ilha das tartarugas, mas além de tartarugas haviam também muitos lagartos na parte alta da ilha. Ao sul da ilha, em um monte coberto por vegetação rasteira havia um vulcão inativo mas que deixava no ar um cheiro fortíssimo que não consegui distinguir do que seria. Havia muitas bananeiras, coqueiros, no final de tarde leões marinhos surgiam na praia próximo aos rochedos e falcões sobrevoavam a ilha durante o dia. Era um belo cenário,se não fosse preocupante. Durante a noite,na parte mais alta da ilha, estranhas luzes coloridas cortavam o céu rapidamente .Era como se algumas estrelas estivessem a divertir-se, como crianças a correr. Patrick disse ter ouvido o capitão Lorentz falar sobre uma ilha chamada Galápagos, mas não tinha certeza se era aquela onde estávamos. Pequenas trilhas formadas pela própria natureza conduzia-nos a locais cada vez mais distantes. Havia um local que Patrick considerava maldito, um ponto da ilha onde um circulo enorme em meio aos juncos estava totalmente queimado, como se algo gigantesco tivesse deixado uma marca no solo, e nada mais cresceria ali depois disto. Em uma noite, uma luz forte invadiu a cabana e nada podia-se ver na parte externa, apenas ouviam-se vozes em um idioma estranho, um zumbido extremamente forte. Então, repentinamente a misteriosa luz sumiu e o som cessou, ao sairmos para ver, nada havia mudado, apenas as mesmas estranhas luzes a cortar o céu em uma velocidade inacreditável. Durante a noite a temperatura decaia bruscamente e o vento trazia um som como um uivo de satã. Ceta noite, quando o frio era intenso, observei que as luzes se fixaram por longo sobre o local onde nada crescia, não contendo minha curiosidade fui até lá e quanto mais me aproximava, mais o frio era substituído por um calor sufocante. Sobre o local um gigantesco circulo de luzes que giravam em todas as direções. Por instantes fiquei estático em meio ao juncal, com os olhos paralisados e incrédulos, uma experiência incrível, que jamais seria lucubrada nem mesmo pelo mais perspicaz alienista. Era como se um panteão celestino ou uma concentração diabolicamente malevolente ali se encontrava. O raio de luz pode ser belíssimo, mas barbaramente sempre atrai a mariposa para a morte. As luzes deixaram-me estonteante, por sua beleza, pela rapidez com que giravam, era como se meu ser por completo estivesse tomado por um intenso sentimento de leveza, de calmaria, com os olhos fechados sentia-me como a flutuar,a liberar minha alma para aliviar meus tormento. E assim deixei me envolver por aquela indescritível sensação de paz, de mergulho em meu próprio íntimo. Um sentimento extraordinariamente maravilhoso. * Em sua última anotação no dia de seu desaparecimento em Dezembro de 1853, Fraz escreveu em seu diário: -Emfim o dia chegou, eles me avisaram e partirei com eles esta noite.

O Homem e seu tempo

Lúcio Aneu Séneca, um dos mais célebres filósofos estoicos do Império Romano, escreveu em sua obra ``A brevidade da vida´´ que o homem de...