sábado, 10 de novembro de 2018

A Aldeia da Morte

Gostaria de contar-lhes sobre a aventura do capitão Charlie Evans, da Academia Militar Inglesa. Nossa amizade teve início quando partilhávamos o mesmo alojamento na Academia militar de Westpoint,meu amigo ao contrário de mim seguiu uma brilhante carreira nas fileiras da armada inglesa, ao oposto do que se sucedeu-se comigo que fui convidado a retirar-me de Westpoint devido a minhas frequentes visitas as cantinas e bodegas que rodeavam o local. Mas o que aconteceu comigo é assunto para outra oportunidade. A mando do Primeiro ministro Lorde Jonh Ruschel, Evans partiu no dia onze de fevereiro de 1862 do porto de Woolwick, em Londres, uma cidade naval banhada pelo rio Tâmisa área portuária era extensa, Tinha na parte mais afastada do cais mantinha-se ancorado permanentemente uma embarcação de reclusão onde prisioneiros faziam a limpeza e manutenção de toda a orla do porto. O destino do capitão era uma região distante chamada de Gloucestershire, na nascente do rio Tâmisa. Chegando lá deveria deslocar-se até a aldeia de Kemble, que ficou conhecida por ter conservado em suas terras um cemitério pagão anglo- saxão do século passado. Lorde Ruschel sabia que o capitão Evans tinha vasto discernimento no que se referia a procedimentos médicos, visto que boa parte de sua permanência em Westpoint foi como auxiliar direto do Dr. Maknamara, major e professor na instituição. O motivo de sua jornada até esta remota aldeia seria elucidar a causa de proliferação de uma enfermidade até então desconhecida pela ciência. A pedido de Evans acompanhei sua jornada, o que sabíamos até o momento de nossa partida eram informações chegadas por navegadores que passaram pela região de que alguns habitantes da aldeia de Kemble apresentavam sinais de demência, erupções na pele, e que após manifestarem os sintomas teriam apenas alguns dias até sua morte. Nossa equipe que havia saído pelo mar, terminaria sua viagem de pesquisa utilizando quatro coches. Alem de Evans e eu vieram dois enfermeiros, seis combatentes e inúmeros equipamentos que o capitão poria em uso para temtar desvendar a estranha enfermidade. Foi uma longa viagem por terras áridas e com com poucas ou quase nenhuma vegetação, mas por fim vagarosamente os coches adentraram em Kemble. A vila era certamente muita antiga e toda construída por pedras de tamanhos desproporcionais e irregulares, suas casas eram como fortalezas com enormes portas em madeira bruta, coladas umas as outras formavam um retângulo sem que por lugar algum se pudesse entrar ou sair da aldeia sem passar pelo portão principal, aliás era o único. Nas casas não havia nenhuma abertura para o lado de fora da vila e suas janelas, feitas com madeira ficavam todas direcionadas para a praça central, alguns carroções ficavam em frente as casas, enormes tinas eram pendurados nas paredes externas das casas, certamente serviam para banho, pois a água vinha do poço que havia na praça do povoado e deveria ser retirada com baldes. Percebi que em algumas casas as trepadeiras repletas de flores amarelas cobriam boa parte da frente e os telhados, isto era sem dúvida uma bela imagem naquele mundo perdido.    Na formação da aldeia, a mais de cem anos, nativos da nova guiné foram trazidos para trabalharem da construção das casas, toda mão de obra era escrava. Depois de algum tempo, estes nativos foram considerados membros da comunidade e tiveram família, ainda hoje existem descendentes destes escravos morando no povoado. Certamente havia uma imensa miscigenação de raças e credos naquele local. Ao redor da aldeia se podia ver um grande cultivo de hortaliças e uma pequena plantação de milho, cenário bem diferenre do que encontramos no caminho. Ao avistarem nossa chegada alguns aldeões reuniram-se na praça central, onde havia um palanque, também construído por imensas pedras e toras de madeira, que servia pelo visto para reunir os habitantes locais em alguma festividade ou algo assim.  A igreja da vila, a poucos metros do pomposo palanque tinha um enorme portão estilo romano e uma torre altíssima, que me parecia um original estilo gótico do século passado mas tabé, apresentava em aspecto de abandono. Por este portão caminhou lentamente até nós um homem de cabelos brancos, creio que na faixa dos setenta anos, com uma longa batina, ou algo assim, na cor lilás e um pequeno e encardido manto branco sobre os ombros. Extraordinariamente alto e delgado, curvava-se muito a andar, talvez pela estatura elevada, tinha as mãos trêmulas e faltava-lhe alguns dentes, seus olhos eram fundos e com olheiras acentuadas pela fisionomia cadavérica. --- Sejam bem vindos senhores, sou o prelado e conselheiro Samuel Tollins e venho da Abadia de Yorkshire. Disse o religioso. -– Sigam-me até a igreja e poderemos conversar com mais privacidade, pois imagino o motivo de sua visita. Completou.  Descemos dos coches e caminhamos por alguns metros e adentramos na pequena igreja do local, já de chagada pude observar que mesmo sendo uma igreja de origem católica, ou assim me parecia, nenhuma imagem sacra era vista ali. Apenas uma enorme cruz em madeira estava colocada sobre o altar. Fileiras de bancos também em madeira estavam colocados nas laterais do local, pequenas janelas com vidros bastante sujos deixavam entrar um mínimo de luz ao ambiente. O prelado conduziu nosso grupo ao fundo da velha igreja, lá adentramos em uma pequena sala que tinha ao centro com uma mesa de madeira escura e três cadeiras ao seu redor. ----sentem cavalheiros. Disse o pontífice. O capitão sentou-se ao meu lado, enquanto nosso anfitrião sentou-se mais distante,no lado oposto da mesa. ---Sei que os senhores vieram por causa da praga que se abateu sobre esta lugar. Falou ele enquanto abria uma bolsa de couro que havia sobre a mesa, nela estavam muitas folhas de papel com nomes escritos, era desnecessário dizer que se tratava das inúmeras pessoas já mortas pela tão famigerada doença. – Quais os sintomas desta praga.Perguntei. ---Confesso que não sei como a informação chegou até o Lorde Ruschel tão rápido, mas são muitos os sintomas. Disse ele –- Primeiramente parece haver uma paralisia mental, depois surgem acessos de risos histéricos e a estrutura física vai ficando terrivelmente debilitada, então tumores afloram por todo corpo, este é o estado terminal, do início até a morte passam-se nada mais doque 15 dias. A lista de pessoas que já haviam morrido pela doença era enorme, mas segundo o prelado, era uma questão de tempo para que tudo voltasse ao normal. ---Tem alguma ideia da causa disto ? Perguntei ao prelado ---Creio eu, não ser isto uma obra de Deus mas sim a soturna sombra do demônio que encravou neste esquecido lugar suas mais terríveis malignidades. Estou nesta aldeia a dezoito anos e nunca houve nada igual. Era visível a preocupação do prelado com as mortes, mesmo sendo obra de Deus, ou do Diabo, prefiria crer naquele momento que a ciência iria encontrar a origem de todo este trágico relato, antes que toda aldeia tenha perecido. Mas e se fosse um castigo de Deus, pensei eu, por quais pecados? A que mandamentos desobedeceram este povo para merecerem castigo tão assombroso? Após mais alguns detalhes fomos encaminhados a uma casa abandonada, no final da vila. Lá ficaríamos alojados e poderia o capitão instalar seus equipamentos de pesquisa. Nossa missão mostrava-se muito desafiadora, estávamos a frente de algo ainda desconhecido pela ciência, se é que a ciência poderá explicar algo tão terrivelmente cruel. Não sei dizer como, mas tudo ali cheirava a morte, como um veneno, uma praga mais cruel e impiedosa que a própria guerra havia dominado o povoado, creio eu, uma peste que exterminava barbaramente os moradores e de uma maneira nunca por mim presenciada. Enquanto caminhávamos até o local onde por algum tempo seria nosso laboratório e hospedaria percebi que no vilarejo não havia hospital e com certeza também não seria encontrado nenhum médico. Durante nosso trajeto alguns moradores chagavam as pequenas janelas e acenavam timidamente. Devo admitir que esta reação gerou inúmeras ponderações em minha mente, estariam eles depositando em nós a última esperança de livrar-lhes do extermínio completo ou zombando de nossa presença pensando não sermos capazes de acabar com as misteriosas mortes? Mas qual seria a origem desta pestilenta moléstia, de onde vem? E de que maneira se espalha vertiginosamente entre os moradores? Pouco depois, já em nossos aposentos e subjugado decerto pela força da viagem e pela minuciosa incumbência de instalar seu material de pesquisa, o capitão deixou-se cair sobre uma cadeira. Pensava fazer o mesmo quando um passo rápido ecoou na rua e bateram à porta com violência. Abri apressadamente com o intuito de prevenir nova batida, quando um deparei-me com um menino com olhos arregalados frente a porta. – O prelado os chama com urgência...na capela. Já havia chegado a noite, de uma maneira estranha, a atmosfera era fúnebre e maléfica. Por algum motivo aquele lugar me dava calafrios. Atendemos de pronto ao chamado quase a correr Evans e eu chegamos a capela, que parecia estar totalmente escura pois apenas duas pequenas velas serviam de iluminação, estendido ao chão do altar,(que já mencionei anteriormente só tinha uma cruz de madeira,sem nenhuma imagem.) um corpo totalmente coberto por panos. O prelado e mais duas pessoas, um homem bastante velho e uma mulher permaneciam ajoelhados junto ao que suponho, seria outra vítima da epidemia. ---Aproximem-se senhores.Disse Tollins ---Este é o corpo de Suzzane. Tinha vinte anos, estes são seus pais. Os limites que separam a vida e a morte são quando muito sombrios, e imensamente vagos. Eu estava cônscio do horror pavoroso daquela situação. A cena que se oferecia aos meus olhos, embora sem merecer um nome tão teatral, apresentava um aspeto indescritível de lúgubre desolação, com o o ato final em uma peça de Shakespeare. O corpo envolto em trapos tinha na cabeça um volume maior de bandalho, como se a conter um sangramento, e uma imensa mancha de sangue denunciava que eu estava certo na minha dedução. – Podemos ver o corpo para fazer algumas análises? Perguntei. – Infelizmente não! Respondeu rapidamente o prelado. – Nosso povo purifica seus mortos e os envolve em panos para evitar o ataque de maus espíritos. Ele será agora levado ao sepulcro onde sua alma descansara em paz. O corpo foi erguido por Tollins juntamente com os dois participantes do estranho velório e lavado ao fundo da igreja, lá fora foi colocado em uma carroça para ser conduzido ao cemitério. Uma velha carroça atrelada a um magro cavalo e um homem com uma capa escura e uma longa barba grisalha guiava o carro fúnebre e o funesto cortejo. Na carroça um corpo coberto por trapos sujos, galhos e folhas verdes(existe uma crença que os ramos verdes servem para livrar a alma dos maus espíritos). Uma lanterna presa na lateral do carroção servia como iluminação pelo penumbrante caminho. Em outro coche, de tamanho menor seguiu tollins, juntamente comigo e Evans. ---Precisamos examinar os corpos. Disse Evans ao Prelado... – Caso contrário, de que maneira vamos chegar as causas da doença? Afirmou. Tollins permaneceu olhando fixamente o préstito a nossa frente. ---Este povo tem suas crenças cavalheiros, eu não sou o único que não considera o catolicismo a única religião existente no mundo, Deus se manifesta de várias formas mas o Diabo também. Desafiar os costumes locais seria inflar uma revolta e já temos problemas demais. Não estamos em Londres senhores. A névoa foi se tornando mais espessa à nossa volta, o que me obrigava, em algumas ocasiões a forçar a visão para ver a frente. A bruma espessa e tão singular característica da região, estendia-se pesadamente sobre tudo e era tão densa que não se distinguia o carroção a nossa frente a não ser pela fraca luz da lanterna. O cemitério ficava oito quilômetros longe da aldeia, oculto atrás de muros altíssimos de pedras e um enorme portão. Para os moradores locais a entrada de estranhos era profanar a memória dos mortos, e o prelado Samuel era o responsável pelo local. Não havia caixões, os corpos eram envoltos em panos a jogados em covas, não se podia ver o cadáver nem fazer qualquer tipo de exame pós-mortem. Ao adentrar no horrendo cemitério, mesmo entre a forte neblina podíamos ver esculpidos nos muros carrancas com chifres, figuras com orelhas enormes e olhos malignos mostrando a expressão de pavor na face. Era um panteão de deuses e demônios. Nenhuma cruz, nenhuma imagem sacra, apenas aquela terrível impressão que se estar entrando nos portais do inferno. Sem dúvida havíamos encontrado o cemitério pagão anglo-saxão. Rapidamente o corpo foi colocado em uma cova, a mulher e o velho usando as mãos cobriram Suzzane totalmente com terra. ---Agora dormes a sombra do teu sepulcro. Que a tua sabedoria passe aos teus descendentes. Com estas palavras Tollins encerrou a cerimônia, se é que assim posso chamar, e silenciosamente retornamos ao vilarejo.  Mesmo sem haver feito nenhum comentário, Evans sabia que não estávamos dispostos a aceitar os costumes locais, e deveríamos imediatamente investigar a respeito, mesmo que sigilosamente. Na mesma noite, acompanhado de dois soldados atrelamos os cavalos e saímos a galope em direção ao local do enterro, lá teríamos nossas respostas ou pelo menos assim pensava, mas algo de mais terrífico estava por ser descoberto. O caminho era longo, era tão estreita a entrada do desfiladeiro e de tal maneira estava oculta que se a tivessemos descoberta naquela noite pareceria inacessível, aumentando minha certeza que minha teoria não era nem um pouco disparatada. Havia algo de muito misterioso neste povoado. Chegamos ao local e fomos de imediato ao sepulcro de Suzzane, que a poucas horas recebera seu mais novo lar, Evans ordenou aos soldados que retirassem as pás que haviam trazidos em suas montarias para desenterrarem o corpo. Enquanto a terra era tirada o local cobriu-se de intenso nevoeiro, era aterrador o que eu sentia naquele momento, uma mistura maligna de medo, pavor e curiosidade invadiu meu corpo. Rapidamente o corpo foi retirado e Evans imediatamente foi logo a região onde deveria estar a cabeça do cadáver, mas o que vimos deixou a todos paralisados, encontramos um rosto disforme e onde deveria haver um cérebro havia apenas um enorme buraco,oque deveria estar na cabeça de Suzzane fora retirado violentamente, quebrando de maneira rudimentar os ossos do crânio. Enquanto Evans desenrolava o restante do corpo era possível verificar feridas enormes. Nem mesmo a peste negra que a pouco tempo devastara a Europa deixara tão horrível terror em suas vítimas. – Precisamos investigar mais, vamos abrir outros túmulos.Disse o capitão. E assim foi feito, e a cada corpo a mesma bizarra imagem, o cérebro extirpado e erupções múltiplas. Adentramos a noite naquele local a a cada túmulo sempre a mesma cana. Após devolver os mortos aos seus devidos lugares retornamos ao vilarejo ainda um tanto aterrorizados com o que vimos, era necessário colocar em ordem nossos pensamentos. Semelhante a um espelho quebrado, que multiplica as imagens da dor e da deformidade, ali proliferavam o obscurantismo e a brutalidade. Disto eu não tinha a menor dúvida. Estávamos a menos de um dia na aldeia e as incertezas e a incredulidade já tomavam conta de nossos pensamentos. Fatos dignos do mais voraz circo dos horrores, uma terra esquecida por Deus mas dominada por uma força sinistra e fatal. Evans notou minhas mãos trêmulas de maneira quase descontrolada e puxou de dentro de seu baú de viagem um garrafa de Brandy, tirando a tampa estendeu sua mão oferecendo-a a mim. – Vamos beber e descansar, precisamos colocar as ideias em ordem, amanhã falaremos com o prelado.  Disse ele. É irrelevante dizer que os fatos daquela noite ficaram irremovíveis de minha mente, não poderia ser de outra forma, como fechar os olhos para buscarmos um minuto de calmaria se estava impregnada em nossa mente os momentos apavorantes que passamos naquele macabro cemitério. Não demorou muito para que outra batida a porta me fizesse erguer-me rapidamente de minha cama, pensei logo ser o anúncio de outra morte, mas felizmente esta errado. -– Senhor,desculpe a hora, mas preciso falar-lhes. Estas foram as palavras de Fernando, um dos soldados de Evans quando me viu abrir a porta. Era um homem de grande estatura, pele escura e a expressão em seu rosto e o adiantado da hora mostravam uma certa urgência na conversa. Evans apenas sentou-se em seu leito e falou em voz alta ao soldado.. – O que desejas Fernando? Não pode esperar até amanhecer? – Capitão. Disse o soldado. Creio saber de algo de pode ser um dos motivos para estas tão horríveis mortes. A sua declaração fez Evans quase saltar de onde estava e ficar de pé ao lado da cama. – Entre Fernando, parece que temos muito que conversar.Disse ele. ---Como sabe, meu capitão. Disse o soldado. Em minha infância fui criado em uma aldeia na Somália, quando era menino fugi escondido em um barco de mercadores de peles, fugi para não ser morto por uma peste semelhante a esta. Toda minha família estava doente. – Mas qual a causa desta doença Fernando? Perguntei antecipando-me ao capitão. O Soldado parecia bastante nervoso, continuava de pé à nossa frente, esfregava as mãos de uma maneira quase descomedida. ---Meus ancestrais. Continuou ele. Cozinhavam o cérebro de seus parentes após sua morte na intenção de absorver seus conhecimentos, mas em vez de conhecimento,trouxeram a morte, despertaram algo que não puderam controlar. As palavras de Fernando foram para mim e para Evans como se a sorver de uma só vez um copo da mais pura Vodka Russa. Evans olhou rapidamente para mim com seus olhos arregalados e incrédulos, enquanto eu recostei-me na porta, que já havia fechado, sem saber qual pensamento antepor em minha mente já tão confusa. ---Não vamos esperar mais.Disse o Capitão.Vamos de imediato falar  com Tollins. Ao sairmos da velha casa, fomos novamente surpreendidos, os habitantes da aldeia com certeza já haviam descoberto nossa visita ao cemitério e se encaminhavam todos ao palanque da praça. Um estranho e profundo sentimento de hostilidade fez-me sentir quando fomos avistados por eles e rapidamente fomos para a capela evitando a praça central do vilarejo. Estávamos certamente a profanar ou descobrir algo muito mais obscuro que uma simples enfermidade. É certa a afirmação de Novalis quando diz que estamos mais perto de despertar quando sonhamos que sonhamos. Mas posso afirmar que o que passava-se naquele momento era um imenso pesadelo. Gostariamos que tudo não passasse de um enorme pesadelo, mas infelizmente era tudo muito real. Ao abrirmos a pesada porta da igreja, Fernando, Evans e eu percebemos que já estavam a nossa espera. Dispostos nos bancos laterais os aldeões observavam nossa chagada silenciosamente, o Prelado Tollins estava de pé enfrente ao altar que estava iluminado por pequenos lampiões. – Aproximem-se senhores. Disse ele. Aproximamo-nos lentamente do religioso (se assim posso chamá-lo) ao mesmo tempo em que ouvíamos o ruído da porta sendo fechada as nossas costas. Certamente tínhamos a certeza que algo de muito ruim estava prestes a acontecer. --- Os senhores desrespeitaram nossos mortos, profanaram seus corpos, deixaram suas almas a mercê do mensageiro das trevas. – Devo lembrá-lo Prelado, que eu e meus homens estamos a serviço de vossa majestade. Disse o capitão, já prevendo algum tipo de represália. ---Seus Homens.Disse Tollins em tom de sarcástico. – Seus homens, meu capitão dormem agora o sono eterno e seus cérebros serão servidos em um banquete a todos, todos menos os senhores, pois também estarão mortos, os senhores estão sozinhos, aquelas pessoas que viram lá fora estão neste momento destruindo seu laboratório. Fernando e Evans desembainharam suas espadas e puseram-se em posição defensiva em segundos estávamos cercados por homens com facões e foices. Graças a um presente de meu padrinho em Westpoint, Coronel Konrad, tinha comigo um pistola fabricada em aço e madeira com detalhes em prata, e foi com ela que, com um único disparo joguei ao chão um dos três lampiões que estavam sobre o altar. O fogo propagou-se rapidamente atingindo as veste de Tollins que não conseguiu livrar-se das chamas debatendo-se envolto em labaredas, a fumaça tomou por completo o infernal local. Naquele momento o diabo despejava sua fúria em forma de fogo e sangue. Um pavor indescritível em um local de deveria ser sagrado. A ouvir gritos enlouquecidos e o ruído de foices e facões a golpearem as espadas de Evans e Fernando fiz alguns disparos a esmo, sem nada ver a frente, até cair quase desfalecido,com os pulmões repletos de fumaça e um desespero nunca antes por mim sentido por não poder respirar, acompanhado pelo medo aterrador da morte. Arrastei-me até um púlpito de pedra que ficava sobre o altar e aos poucos os sons foram ficando mais distantes, e os meus sentidos sensivelmente enfraquecidos. Minhas visões eram como vapores que se perdem ao vento. Quando recuperei minha consciência, ainda jogado ao chão do altar e com muita dificuldade de respirar, senti que parte de minhas roupas haviam queimado, minhas mãos e meu rosto pareciam incender devido as queimaduras, o local estava destruído por completo. Com muito esforço, pois não podia apoiar as mãos totalmente deformadas pelo fogo, consegui erguer-me e caminhei entre cadáveres fumegantes até chegar ao que restava do portal, o odor de carne humana queimada era nefando. Suportando toda dor consegui chegar até a saída e avistei alguns aldeões que permaneciam em frente aos escombros do inferno. Quando surgi cambaleante sobre as cinzas do portão da demoníaca capela certamente causei espanto e curiosidade,deveria estar morto, sacrificado em nome de seus ancestrais. Ainda não recobrado da horrenda experiência, mantinha-me sempre de pé no limite de minha resistência, e deveria naquele momento ostentar aos olhos dos bárbaros uns ares de figura fantasmagórica, de uma aparição de mau agouro com o corpo quase a decompor-se pelos ferimentos, e então perpassei ante eles em direção ao centro da praça. Enquanto passava entre a multidão que se abria dando espaço para o moribundo sobrevivente, um silencio horripilante caiu sobre o vilarejo. Caminhei lentamente até uma de nossa carruagen que estava atrelada na praça sem que nenhum aldeão tentasse impedir, com muita dificuldade subi ao coche e parti em meio a escura noite sob os olhares daquelas criaturas demoníacas, fugindo aterrorizado por entre a neblina do lugar que posso chamar de A Aldeia da Morte.

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