quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

A Dama do Retrato

Estimulado ao vício por incontáveis meios, fiz também incontáveis amigos ou assim me pareciam, entre as frivolidades da noite Parisiense. Havia entre meus amigos um Jovem de Yorkshire, com sua estatura extremamente pequena mas de um talento impar para pintura, seu nome Henri de Toulouse-Lautrec, que dedicava seu tempo a pintura que ele mesmo denominava de pós-impressionista. Em umas de noites de devaneios em que o absinto misturado a conhaque e gelo que batizamos de coquetel terremoto, conduzia-nos a alucinações  indescritiveis, Henri regozija-se a beber com os demais enquanto eu me vi subitamente atraído pela beleza de uma das inúmeras mulheres que frequentavam o Bataclâm. Emily era seu nome ou pelo menos foi o que disse-me quando aproximei-me e fiz minha apresentação a ela, impossível com palavras descrever a beleza da encantadora dama. Porem algo mais deixara-me intrigado na alegre acompanhante, tinha eu a vaga impressão de já ter visto aquele lindo sorriso em outra ocasião, ou talvez em meus mais intensos e perturbadores sonhos. E este pensamento  inquietava-me. Não poderia definir melhor a sensação que me dominou se não dizendo que me era difícil  libertar-me da ideia de já haver conhecido a pessoa que se encontrava  diante de mim em alguma época muito longínqua, em algum ponto do passado mesmo que infinitamente remoto. Minha natureza explodiu em uma breve confusão trazendo a mente imagens já a muito esquecidas, com um certo temor e na  louca embriaguez de minhas  devassidões calquei os pés nas mais vulgares lembranças. Encontrava-me agora com infinitos motivos para duvidar do testemunho de meus próprios sentidos. Mas  a debilidade do vício deixa- nos na terrível sombra cinza de qualquer recordação por mais irregular que possa ser, trazendo-nos uma confusão de fracos prazeres e desgostos fantasmagóricos. Mas porque me envolver em pensamentos dispersos se na minha solitária vida uma luz brilha com intensa magia e jovialidade. Enquanto meu pequeno amigo tinha sua atenção direcionada as bailarinas que rodeavam nossa mesa, as quais ele pacientemente reproduzia em forma de arte através de suas pinturas a óleo, o anjo ou demônio que estava a meu lado fazia-me entender, através de seus lindos lábios, que compartilhávamos diversas predileções, fato este que devo dizer não era muito comum para mim. Visto que tinha eu vícios em demasia e não havia me relacionada com nenhuma pretendente depois da morte de minha esposa já a bastante tempo.   Mas afinal de onde teria vindo, de que passado nebuloso teria ela voltado, de qual vida passada, se é que tenho alguma, surgiu este manto de candura. Durante toda noite me foi presenteado momentos de intensa alegria, felicidade, sentimentos estes que até então pensara não mais existir em minha alma cansada e fracassada. Ao amanhecer, já inebriado pela noite inesquecível na companhia da agradável dama, tratei de despedir-me da maneira mais formal possível, beijando-lhe as mãos e conduzindo-a até o coche que a levaria ao  seu destino, local este que ela não  revelou por mais insistentes que fossem minhas tentativas de descobrir em qual vale iluminado esta magnífica fada se escondia. Feito isto, e ainda sobe forte  efeito do absinto que ingeri toda noite sem medir consequências, causando-me uma tontura que confesso quase me impossibilitava de andar, e do ópio que chegou até mim pelas mãos do amigo Henri, mistura diabólica que me lavava e histeria e ao delírio insano de sonhos irreais, direcionei-me para minha casa a qual cheguei depois de perambular perdido pela noite londrina. Agarrando-me ao velho corrimão de madeira  que levara ao primeiro andar do chalé onde tencionava jogar-me na cama como um desfalecido quando, não sei dizer porque, um quadro entre os muitos pendurados na parede subindo a escada chamou-me a atenção em particular. Aproximado-me de tal maneira quase encostando o rosto na envelhecida tela pintada a óleo e vi ali, iluminada pelas fracas luzes dos pequenos lampiões uma pintura que a princípio me tinha passado despercebida. Era o retrato de uma Linda Jovem já amadurecida, creio eu com idade por volta dos trinta anos e de uma inigualável beleza. Direcionei ao quadro um olhar rápido e fechei os olhos pois aquele rosto me era deveras familiar. Ao princípio eu próprio não soube identificar a dama que servira de modelo para o a bela pintura, mas enquanto mantinha as pálpebras fechadas analisei rapidamente a causa que me obrigara a fechá-las assim. Fora um movimento voluntário para ganhar tempo e para pensar e me certificar de que a vista não me enganara, para acalmar e preparar o espírito para uma contemplação mais a frio e mais segura. Ao fim de alguns instantes olhei de novo fixamente para o quadro. Não podia duvidar, mesmo que quisesse, de que via então com toda a nitidez, pois a luz que vinha das fracas lamparinas laterais elucidavam o espanto e o devaneio de que os meus sentidos estavam possuídos, e chamara-me num instante à vida real. Na vasta escadaria da casa que herdara de meus pais, havia inúmeros retratos pintados a óleo representando uma descendência decadente e recheada de escândalos. Um pavor descomunal mesclado com o efeito das extravagâncias daquela noite me fizera cair de joelhos perante o maldito retrato de alguém que a morte já tinha a muito carregado, com certeza para o inferno. Na parte inferior do quadro estava gravado em uma pequena placa de metal já quase ilegível pelo tempo o nome de sua modelo, ou melhor dizendo, da minha acompanhante naquela insólida noite.                                                     * Emily Elisabeth Crosec.*

O Homem e seu tempo

Lúcio Aneu Séneca, um dos mais célebres filósofos estoicos do Império Romano, escreveu em sua obra ``A brevidade da vida´´ que o homem de...