sábado, 10 de agosto de 2019

A Morte no Nevoeiro

Estávamos no inverno de 1857, após haver saído de Londres pela ferrovia National Rail até o Condado de Doncaster, dirigi-me até a estalagem próxima a estação onde tratei Imediatamente de alugar um coche, pois meu destino era a pequena cidade de York, no vale que levava o mesmo nome. Pelas informações que tinha coletado com alguns amigos que conheciam a região, antes de chagar ao Vale passaria ao lado do rio Ucre que acompanha por grande parte da estrada e chegaria a vila de Runswick, onde a peculiaridade são as casas perigosamente construídas a beira das falésias(escarpas), misturando beleza e perigo ao local. Todas as informações a mim passadas estavam extremamente precisas e o coche e seu condutor me conduziam ao encontro do meu amigo e prestigiado médico psicanalista francês, dr. Frontin Lebranc. Segundo o que o médico me havia relatado por carta, meu nobre amigo teria desenvolvido métodos revolucionários para controle da mente, entre eles a Psicastenia, que utilizava a hipnose individual para controle da histeria. Quanto mais distante ficávamos dos vilarejos locais mais a neblina cobria nosso caminho que agora já era através de uma estreita estrada entre os charcos e pântanos, certamente pouco usados pelos agricultores nos cultivos da região. Pela janela do coche, que balançava fortemente devido as condições inóspitas do trajeto a visão dos charcos entre o intenso nevoeiro que a tudo cobria no cair da noite era, sem dúvida, algo assustador. Depois de atravessarmos os charcos e a névoa que permanece dia e noite no local, entre solavancos da carruagem chegamos ao vale de York, mesmo sendo já escuro devido ao adiantado da hora pois a noite já havia chegado não foi difícil ao cocheiro encontrar a estreita bifurcação que levava a cidade de York e ao Sanatório San Juan, meu destino final. Meu velho amigo agora com 65 anos era diretor da clínica e ali desenvolvia métodos não muito convencionais e até mesmos contestados para estudo da mente humana, pois além de eletrochoques e imersões em água extremamente gelada ainda incluíam seu conjunto de ferramentas incisões cirúrgicas para estudo da massa encefálica e também o hipnotismo, motivo de minha visita já que a muito tempo alentava relevante interesse pela metodologia. Enfim, após transpor o gigantesco portão de ferro que tinha em sua parte superior, distinta em letras grandes o nome da instituição, fui recebido pelo meu anfitrião e de imediato convidado a conhecer o incomum local. Conheci o dr. Frontin em 1860, a dois anos, quando estive na Clínica Psiquiátrica Londrina para escrever uma matéria sobre o mundo dos alienados e posteriormente publica-lá no London Gazette. Já naquele período o médico declarava seu interesse em abrir sua própria clínica, onde ficaria mais a vontade para trabalhar com seus métodos, longe da correria londrina e dos críticos. Ao adentrar no saguão da clínica já percebi que construção era muito antiga, toda em blocos de pedras escuras, era um local extremamente grande, com pilares grossos espalhados pelas laterias mas com apenas dois andares e sua ala principal ficava no térreo, sem quartos e com camas Colocadas encostadas nas paredes laterais, pois não haviam naquele gigantesco salão paredes divisórias, alguns pacientes, que sempre estavam aos cuidados dos enfermeiros ou de algumas freiras que também auxiliavam no local, permaneciam amarrados as bordas de ferro de seus leitos, certamente para sua própria segurança e outros perambulavam como sonâmbulos pelo corredor central, talvez pelo efeito de alguns sedativos. Mas no geral aquele local era uma imagem depressiva, muito distante do que eu havia imaginado. Apenas poucas janelas deixavam o ar fluir para dentro do degradante local, impregnado com o cheiro pestilento de excrementos humanos. Devo admitir ser aquilo um hórrido cenário. A alienação humana exposta em seu grau mais assustador. Seguimos nossa caminhada um tanto espantosa para mim até o fundo da extensa ala onde uma escadaria nos levaria aos porões. Naquele local permanecia em condições sub-humanas e bestiais pacientes com elevado grau de demência, assassinos condenados a morte, todos encarcerados em minúsculas jaulas aguardando o momento em que eram levados a condição de cobaias humanas e assim cruelmente fornecerem sua contribuição, mesmo que não seja espontânea e consciente para os experimentos de Frontin. Ali tive consciência da total agonia que a mente humana pode chegar, o extremo da alienação incontrolável. Gentilmente Frontin conduziu-me até onde seria meu quarto no andar superior da clínica, durante o trajeto dois pacientes despertaram minha atenção. Um deles já me era conhecido, tratava-se de Robert Roster, um jovem de Swuan Valey, que após matar a própria irmã Catarine Roster afirma ser atormentado pelo espírito da falecida, o segundo caso é uma paciente chamada Charlott Dolms, uma jovem aparentando 25 anos que segundo o médico tem total liberdade para transitar pela ´clínica, segundo Frontin a jovem esta sempre a dançar usando um retalhado figurino de bailarina. Passado dois dias da minha chegada mantinha minhas atenções concentradas na leitura das anotações sobre os experimentos em Psicastenia cedidas pelo médico, mas outros episódios despertaram minha curiosidade, um deles o fato de haver um cemitério em uma ribanceira bem próxima nos fundos do manicômio e durante a noite cadáveres eram arrastados para lá pelos enfermeiros, isto aguçava minha imaginação. Outra situação intrigante era a noite quando de minha janela no segundo andar podia testemunhar o dr. Frontin, iluminado apenas pela luminescência da lanterna que carregava em uma das mãos abrir o pesado cadeado que enclausurava todos que ali estavam permitindo a jovem Charlott, com seu desgastado traje propalar-se em meio a noite nebulosa. Os motivos daquelas saídas noturnas e para onde ela iria ainda era um mistério para mim, pelo menos até aquele momento. Recordo-me da primeira noite na clínica quando circulava pelos corredores do segundo andar para conhecer o local e passando pelo gabinete de Frontin notei que havia a fraca iluminação da lanterna que ficava em sua mesa, observando pelo vão da porta que não estava totalmente fechada percebi que Charlott estava lá, totalmente despida a jovem dançava freneticamente rodando por toda sala enquanto o velho médico admirava a cena recostado em um divã. Naquele momento pensei quem naquela sala seria mais insano. Percebo agora que alguns favores tinham seu preço até mesmo no mundo irracional dos loucos. As saídas noturnas de Charlott e o cemitério nos fundos da clínica eram situações inquietantes para mim, mas deveria ter cuidado, pois não poderia de maneira alguma me indispor com Frontin, afinal ele estava me dando toda oportunidade de estudar e observar o trabalho Hipnótico realizado por ele. Ao completar a primeira semana no sanatório achei-me com coragem para investigar, então aproveitei uma noite chuvosa e fria e avancei furtivamente pelo corredor até a cozinha, onde pela porta lateral tive acesso à ribanceira do campo santo onde as inúmeras ossadas por mim descobertas em meio a lama que escorria com a forte chuva eram uma imagem aterradora, mas meu objetivo era outro, queria saber onde se dirigia todas as noites a paciente preferida do diretor. Tentei por várias noites seguir a paciente predileta do doutrinador de mentes, mas foram noites infrutíferas. O seu desregrado trajeto repetia-se a cada noite em frente a tavernas e na área mais miserável da cidade, até que entre os casebres e populaças e encoberta pela odiosa névoa eu a perdia. Só a reencontrando na manhã seguinte na clínica. Não sei dizer porque mas aquilo tornou-se para mim uma obsessão, era imperativo descobrir qual o motivo daquelas saídas noturnas, e porque ela voltava todas as noites. Os dias foram se passando até que em uma sombria noite após seguir a jovem por logo tempo e novamente perdê-la de vista resolvi tomar outro percurso de retorno fazendo um trajeto em meio aos charcos. Certamente mais uma noite desperdiçada, naquele local o nevoeiro era ainda mais intenso, mas para minha profunda surpresa eu estava no caminho certo. Escutei ruídos vindos dos charcos e vultos a movimentar-se na escuridão, primeiramente senti um medo petrificante, depois agachei-me e fui silenciosamente até onde os ruídos me levassem e encontrei Charlott em meio aos charcos e a neblina, uma cena digna da mais implausível lenda animalesca, vi jovem ajoelhada ao lado do corpo de um corpo, entre um som que mais parecia um grunhir de um animal a vagante bailarina sugava ferozmente as golfadas de sangue que jorravam do pescoço ferido de um homem. Eu estava vivenciando naquele mórbido e terrífico momento algo que jamais esqueceria. Tão demonicamente estava a sorver sua presa que minha presença por detrás das árvores e encoberta pela nefasta neblina que cobria aquele lugar infernal não foi por ela notada. Depois de alguns segundos fugi apavorado e enquanto tentava correr desesperadamente por entre os pegadiços charcos não saia de minha mente a imagem da face de Charlott com suas mãos e sua veste cobertos de sangue. Retornei aos meus aposentos com as roupas enlameadas e tremendo quase descontroladamente, não tanto pelo frio que era intenso naque noite, mas principalmente pelo pavor que tomava conta de mim. Não sabia ao certo o que fazer, se falasse o que presenciei ao dr. Frontin poderia na noite seguinte juntar-me aos inúmeros corpos jogados na ribanceira. Se aquela monstruosidade em forma de mulher desconfiar que sei seu segredo eu poderia ser sua próxima vítima. Eu não tinha dúvidas que a situação em que me encontrava naquele momento era deveras preocupante. Após das roupas enlameadas e tomar um banho tentei descansar em minha cama, mas isto não foi possível porque dormir naquele momento era algo improvável. Até que ao amanhecer alguém bateu a minha porta. ---Sr. Lawford, o dr. esta chamando para um café em seu escritório. Normalmente o café era no refeitório juntamente com os seus colaboradores e com as freiras. Mas naquela manhã eu teria uma interpretação dos fatos pela ótica de Frontin. Logo ao entrar em seu escritório fui recebido por Frontin, que com seu jaleco branco e sua camisa xadrez e a usual gravata borboleta na cor preta. – Sente-se Lawford, você já esta há alguns dias conosco e ainda não tive o tempo necessário para expor por completo meus métodos e objetivos na clínica. Farei isto enquanto tomamos nosso mais reservadamente. Sente-me a frente de sua mesa, onde uma bandeja com biscoitos e um bule de café estava a nossa disposição. ---Como você sabe Lawford, os métodos convencionais nunca poderão entender oque se passa na mente de uma pessoa desajustadas, isto porque o seu objetivo e conter a crise e não identificar a causa. Aqui, como já pode observar trabalhamos do modo inverso, incentivamos o desequilíbrio para estudar sua origem. ---Mas isto não seria um ato desumano, levar ao sofrimento para estudar sua causa? Perguntei. Frontin apenas sorriu enquanto tomava seu café. – Veja bem Lawford, não identificar as causas e deixar que futuramente outras pessoas tenham os mesmos distúrbios sem uma possibilidade de cura apenas porque meu senso ético não permitiu que prosseguisse. Isto sim seria uma desumanidade e uma covardia. – Vendo desta maneira me parece que o sr. tem razão, mas existe algum limite para estas análises, creio eu. O médico levantou-se calmamente o foi até o ármário que estava em um canto da sala, retirando uma chave do bolso do jaleco abriu a porta e retirou uma pasta de papel facha-o novamente depois. Retornou a sua mesa e colocou a pasta a minha frente. – Com todo respeito amigo Lawford, eu tenho observado que tem um interesse especial por este caso, inclusive levando-o a se arriscar pela noite para investigar. A pasta que o médico me passou as mãos era de Charlott Dolms. ---Sei que esta surpreso com muita coisa que esta vendo aqui, mas tudo tem seu propósito. Disse o médico.--- esta jovem mulher sofre de um transtorno clínico chamado ´´ Síndrome de Renfield``, que os leigos chamam vulgarmente de vampirismo, que além da necessidade incontrolável de ingerir sangue tem a pele muito sensível quando exposta a luz solar, fato que chamamos clinicamente de ``Porfírea Eritropoiética``. – Peço que me desculpe se tomei alguma atitude que não lhe agradou doutor, mas minha ignorância quanto a estes detalhes me fizeram tomar atitudes precipitadas. Frontin apenas sorriu levemente com meu pedido de desculpas, e fechou a pasta que estava sobre a mesa. ---Não se preocupe Lawford, em seu lugar eu também agiria da mesma forma. Mas agora que já esta a par de tudo , ou quase tudo, eu o convido para me ajudar nas pesquisas e quem sabe dar a ciência uma boa contribuição. – Certamente doutor, estou a sua disposição.

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