segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

coche 128

Quando rapidamente desci a escadaria buscando a porta de saída do velho prédio em que residia a alguns anos, e confesso são cinco  longos anos de subir e descer escada, percebi que havia chovido e que a rua estava totalmente coberta pela lama que se espalhava cada vez mais ao passar constante dos coches e seus cavalos. Saí esgueirando-me pelas vielas até chegar a rua principal pois não poderia me dar ao luxo de ficar em meus aposentos visto que deveria entregar o material escrito ao redator do jornal matutino e rogar a ele que publicasse na edição de amanhã. Minha urgência se dava ao fato de que no momento me via desprovido financeiramente, situação esta que além de comprometer minha estadia em tal aposento ainda não suficientemente cobria minhas necessidades de manutenção. E é claro estava por acabar o fumo para meu cachimbo. Assim disposto adentrei ao coche de numero 128 passando de imediato ao condutor o local de meu destino. Sentado ao coche revisei novamente o material a ser entregue e por um momento chamou-me a atenção, ao passar os olhos sobre minhas vestes, as marcas que o impiedoso tempo deixara em minhas já não tão novas roupas, e em minha vida confusa que até em alguns momentos sem significado parecia-me. Situação que não posso vos negar me deixara um tanto quanto preocupado. Sentia o tempo passar a cada batida de meu coração, os segundos pulsam em meu peito como num relógio de pêndulo. Os mistérios inefáveis que pareciam tão absurdamente distantes e irreais até poucos minutos, ameaçavam se aclamar e desvendarem-se na presença de uma verdade tão pessoal e que até então ficara escondida em minha sombria e medíocre vida. Verdade esta que já me vem sendo apresentada a mim desde a infância e que por desejo meu permanecia equivocadamente adormecida no íntimo de meu ser. Enquanto o coche segue seu trajeto pelo imenso lamaçal sinto como se este entendimento tirasse de mim o peso de uma vida sem valores. Meu fardo de agruras será compartilhado com meus leitores, pois a ninguém mais confio meus mais secretos segredos por mais insanos que possam ser. Aquele que por deveras se aventurar a acompanhar-me pelos caminhos da leitura terá como júbilo conhecer meu coração, e olhando no fundo de meus sentimentos encontrará a memória e a experiência de um escritor que entre e debilidade e a genialidade busca um incentivo para não ver perdida por completo suas forças e sua esperança. Se é que alguma delas ainda lhe resta. Quando olhamos para trás percebemos que somos os escritores da nossa própria história, é bem provável que não possamos controlar todo o desenrolar dela mas certamente poderemos escolher qual caminho seguir e que personagem queremos ser, e certamente esta escolha vai traçar o próximo passo. Então certo é que devo seguir em frente pois considero mais nobre enfrentar uma batalha por dia do que viver na ociosidade de uma ilusão. Nenhum esforço será em vão pois sei que o custo do sucesso é o trabalho e o custo da excelência será sempre o máximo esforço.

sábado, 10 de novembro de 2018

A Aldeia da Morte

Gostaria de contar-lhes sobre a aventura do capitão Charlie Evans, da Academia Militar Inglesa. Nossa amizade teve início quando partilhávamos o mesmo alojamento na Academia militar de Westpoint,meu amigo ao contrário de mim seguiu uma brilhante carreira nas fileiras da armada inglesa, ao oposto do que se sucedeu-se comigo que fui convidado a retirar-me de Westpoint devido a minhas frequentes visitas as cantinas e bodegas que rodeavam o local. Mas o que aconteceu comigo é assunto para outra oportunidade. A mando do Primeiro ministro Lorde Jonh Ruschel, Evans partiu no dia onze de fevereiro de 1862 do porto de Woolwick, em Londres, uma cidade naval banhada pelo rio Tâmisa área portuária era extensa, Tinha na parte mais afastada do cais mantinha-se ancorado permanentemente uma embarcação de reclusão onde prisioneiros faziam a limpeza e manutenção de toda a orla do porto. O destino do capitão era uma região distante chamada de Gloucestershire, na nascente do rio Tâmisa. Chegando lá deveria deslocar-se até a aldeia de Kemble, que ficou conhecida por ter conservado em suas terras um cemitério pagão anglo- saxão do século passado. Lorde Ruschel sabia que o capitão Evans tinha vasto discernimento no que se referia a procedimentos médicos, visto que boa parte de sua permanência em Westpoint foi como auxiliar direto do Dr. Maknamara, major e professor na instituição. O motivo de sua jornada até esta remota aldeia seria elucidar a causa de proliferação de uma enfermidade até então desconhecida pela ciência. A pedido de Evans acompanhei sua jornada, o que sabíamos até o momento de nossa partida eram informações chegadas por navegadores que passaram pela região de que alguns habitantes da aldeia de Kemble apresentavam sinais de demência, erupções na pele, e que após manifestarem os sintomas teriam apenas alguns dias até sua morte. Nossa equipe que havia saído pelo mar, terminaria sua viagem de pesquisa utilizando quatro coches. Alem de Evans e eu vieram dois enfermeiros, seis combatentes e inúmeros equipamentos que o capitão poria em uso para temtar desvendar a estranha enfermidade. Foi uma longa viagem por terras áridas e com com poucas ou quase nenhuma vegetação, mas por fim vagarosamente os coches adentraram em Kemble. A vila era certamente muita antiga e toda construída por pedras de tamanhos desproporcionais e irregulares, suas casas eram como fortalezas com enormes portas em madeira bruta, coladas umas as outras formavam um retângulo sem que por lugar algum se pudesse entrar ou sair da aldeia sem passar pelo portão principal, aliás era o único. Nas casas não havia nenhuma abertura para o lado de fora da vila e suas janelas, feitas com madeira ficavam todas direcionadas para a praça central, alguns carroções ficavam em frente as casas, enormes tinas eram pendurados nas paredes externas das casas, certamente serviam para banho, pois a água vinha do poço que havia na praça do povoado e deveria ser retirada com baldes. Percebi que em algumas casas as trepadeiras repletas de flores amarelas cobriam boa parte da frente e os telhados, isto era sem dúvida uma bela imagem naquele mundo perdido.    Na formação da aldeia, a mais de cem anos, nativos da nova guiné foram trazidos para trabalharem da construção das casas, toda mão de obra era escrava. Depois de algum tempo, estes nativos foram considerados membros da comunidade e tiveram família, ainda hoje existem descendentes destes escravos morando no povoado. Certamente havia uma imensa miscigenação de raças e credos naquele local. Ao redor da aldeia se podia ver um grande cultivo de hortaliças e uma pequena plantação de milho, cenário bem diferenre do que encontramos no caminho. Ao avistarem nossa chegada alguns aldeões reuniram-se na praça central, onde havia um palanque, também construído por imensas pedras e toras de madeira, que servia pelo visto para reunir os habitantes locais em alguma festividade ou algo assim.  A igreja da vila, a poucos metros do pomposo palanque tinha um enorme portão estilo romano e uma torre altíssima, que me parecia um original estilo gótico do século passado mas tabé, apresentava em aspecto de abandono. Por este portão caminhou lentamente até nós um homem de cabelos brancos, creio que na faixa dos setenta anos, com uma longa batina, ou algo assim, na cor lilás e um pequeno e encardido manto branco sobre os ombros. Extraordinariamente alto e delgado, curvava-se muito a andar, talvez pela estatura elevada, tinha as mãos trêmulas e faltava-lhe alguns dentes, seus olhos eram fundos e com olheiras acentuadas pela fisionomia cadavérica. --- Sejam bem vindos senhores, sou o prelado e conselheiro Samuel Tollins e venho da Abadia de Yorkshire. Disse o religioso. -– Sigam-me até a igreja e poderemos conversar com mais privacidade, pois imagino o motivo de sua visita. Completou.  Descemos dos coches e caminhamos por alguns metros e adentramos na pequena igreja do local, já de chagada pude observar que mesmo sendo uma igreja de origem católica, ou assim me parecia, nenhuma imagem sacra era vista ali. Apenas uma enorme cruz em madeira estava colocada sobre o altar. Fileiras de bancos também em madeira estavam colocados nas laterais do local, pequenas janelas com vidros bastante sujos deixavam entrar um mínimo de luz ao ambiente. O prelado conduziu nosso grupo ao fundo da velha igreja, lá adentramos em uma pequena sala que tinha ao centro com uma mesa de madeira escura e três cadeiras ao seu redor. ----sentem cavalheiros. Disse o pontífice. O capitão sentou-se ao meu lado, enquanto nosso anfitrião sentou-se mais distante,no lado oposto da mesa. ---Sei que os senhores vieram por causa da praga que se abateu sobre esta lugar. Falou ele enquanto abria uma bolsa de couro que havia sobre a mesa, nela estavam muitas folhas de papel com nomes escritos, era desnecessário dizer que se tratava das inúmeras pessoas já mortas pela tão famigerada doença. – Quais os sintomas desta praga.Perguntei. ---Confesso que não sei como a informação chegou até o Lorde Ruschel tão rápido, mas são muitos os sintomas. Disse ele –- Primeiramente parece haver uma paralisia mental, depois surgem acessos de risos histéricos e a estrutura física vai ficando terrivelmente debilitada, então tumores afloram por todo corpo, este é o estado terminal, do início até a morte passam-se nada mais doque 15 dias. A lista de pessoas que já haviam morrido pela doença era enorme, mas segundo o prelado, era uma questão de tempo para que tudo voltasse ao normal. ---Tem alguma ideia da causa disto ? Perguntei ao prelado ---Creio eu, não ser isto uma obra de Deus mas sim a soturna sombra do demônio que encravou neste esquecido lugar suas mais terríveis malignidades. Estou nesta aldeia a dezoito anos e nunca houve nada igual. Era visível a preocupação do prelado com as mortes, mesmo sendo obra de Deus, ou do Diabo, prefiria crer naquele momento que a ciência iria encontrar a origem de todo este trágico relato, antes que toda aldeia tenha perecido. Mas e se fosse um castigo de Deus, pensei eu, por quais pecados? A que mandamentos desobedeceram este povo para merecerem castigo tão assombroso? Após mais alguns detalhes fomos encaminhados a uma casa abandonada, no final da vila. Lá ficaríamos alojados e poderia o capitão instalar seus equipamentos de pesquisa. Nossa missão mostrava-se muito desafiadora, estávamos a frente de algo ainda desconhecido pela ciência, se é que a ciência poderá explicar algo tão terrivelmente cruel. Não sei dizer como, mas tudo ali cheirava a morte, como um veneno, uma praga mais cruel e impiedosa que a própria guerra havia dominado o povoado, creio eu, uma peste que exterminava barbaramente os moradores e de uma maneira nunca por mim presenciada. Enquanto caminhávamos até o local onde por algum tempo seria nosso laboratório e hospedaria percebi que no vilarejo não havia hospital e com certeza também não seria encontrado nenhum médico. Durante nosso trajeto alguns moradores chagavam as pequenas janelas e acenavam timidamente. Devo admitir que esta reação gerou inúmeras ponderações em minha mente, estariam eles depositando em nós a última esperança de livrar-lhes do extermínio completo ou zombando de nossa presença pensando não sermos capazes de acabar com as misteriosas mortes? Mas qual seria a origem desta pestilenta moléstia, de onde vem? E de que maneira se espalha vertiginosamente entre os moradores? Pouco depois, já em nossos aposentos e subjugado decerto pela força da viagem e pela minuciosa incumbência de instalar seu material de pesquisa, o capitão deixou-se cair sobre uma cadeira. Pensava fazer o mesmo quando um passo rápido ecoou na rua e bateram à porta com violência. Abri apressadamente com o intuito de prevenir nova batida, quando um deparei-me com um menino com olhos arregalados frente a porta. – O prelado os chama com urgência...na capela. Já havia chegado a noite, de uma maneira estranha, a atmosfera era fúnebre e maléfica. Por algum motivo aquele lugar me dava calafrios. Atendemos de pronto ao chamado quase a correr Evans e eu chegamos a capela, que parecia estar totalmente escura pois apenas duas pequenas velas serviam de iluminação, estendido ao chão do altar,(que já mencionei anteriormente só tinha uma cruz de madeira,sem nenhuma imagem.) um corpo totalmente coberto por panos. O prelado e mais duas pessoas, um homem bastante velho e uma mulher permaneciam ajoelhados junto ao que suponho, seria outra vítima da epidemia. ---Aproximem-se senhores.Disse Tollins ---Este é o corpo de Suzzane. Tinha vinte anos, estes são seus pais. Os limites que separam a vida e a morte são quando muito sombrios, e imensamente vagos. Eu estava cônscio do horror pavoroso daquela situação. A cena que se oferecia aos meus olhos, embora sem merecer um nome tão teatral, apresentava um aspeto indescritível de lúgubre desolação, com o o ato final em uma peça de Shakespeare. O corpo envolto em trapos tinha na cabeça um volume maior de bandalho, como se a conter um sangramento, e uma imensa mancha de sangue denunciava que eu estava certo na minha dedução. – Podemos ver o corpo para fazer algumas análises? Perguntei. – Infelizmente não! Respondeu rapidamente o prelado. – Nosso povo purifica seus mortos e os envolve em panos para evitar o ataque de maus espíritos. Ele será agora levado ao sepulcro onde sua alma descansara em paz. O corpo foi erguido por Tollins juntamente com os dois participantes do estranho velório e lavado ao fundo da igreja, lá fora foi colocado em uma carroça para ser conduzido ao cemitério. Uma velha carroça atrelada a um magro cavalo e um homem com uma capa escura e uma longa barba grisalha guiava o carro fúnebre e o funesto cortejo. Na carroça um corpo coberto por trapos sujos, galhos e folhas verdes(existe uma crença que os ramos verdes servem para livrar a alma dos maus espíritos). Uma lanterna presa na lateral do carroção servia como iluminação pelo penumbrante caminho. Em outro coche, de tamanho menor seguiu tollins, juntamente comigo e Evans. ---Precisamos examinar os corpos. Disse Evans ao Prelado... – Caso contrário, de que maneira vamos chegar as causas da doença? Afirmou. Tollins permaneceu olhando fixamente o préstito a nossa frente. ---Este povo tem suas crenças cavalheiros, eu não sou o único que não considera o catolicismo a única religião existente no mundo, Deus se manifesta de várias formas mas o Diabo também. Desafiar os costumes locais seria inflar uma revolta e já temos problemas demais. Não estamos em Londres senhores. A névoa foi se tornando mais espessa à nossa volta, o que me obrigava, em algumas ocasiões a forçar a visão para ver a frente. A bruma espessa e tão singular característica da região, estendia-se pesadamente sobre tudo e era tão densa que não se distinguia o carroção a nossa frente a não ser pela fraca luz da lanterna. O cemitério ficava oito quilômetros longe da aldeia, oculto atrás de muros altíssimos de pedras e um enorme portão. Para os moradores locais a entrada de estranhos era profanar a memória dos mortos, e o prelado Samuel era o responsável pelo local. Não havia caixões, os corpos eram envoltos em panos a jogados em covas, não se podia ver o cadáver nem fazer qualquer tipo de exame pós-mortem. Ao adentrar no horrendo cemitério, mesmo entre a forte neblina podíamos ver esculpidos nos muros carrancas com chifres, figuras com orelhas enormes e olhos malignos mostrando a expressão de pavor na face. Era um panteão de deuses e demônios. Nenhuma cruz, nenhuma imagem sacra, apenas aquela terrível impressão que se estar entrando nos portais do inferno. Sem dúvida havíamos encontrado o cemitério pagão anglo-saxão. Rapidamente o corpo foi colocado em uma cova, a mulher e o velho usando as mãos cobriram Suzzane totalmente com terra. ---Agora dormes a sombra do teu sepulcro. Que a tua sabedoria passe aos teus descendentes. Com estas palavras Tollins encerrou a cerimônia, se é que assim posso chamar, e silenciosamente retornamos ao vilarejo.  Mesmo sem haver feito nenhum comentário, Evans sabia que não estávamos dispostos a aceitar os costumes locais, e deveríamos imediatamente investigar a respeito, mesmo que sigilosamente. Na mesma noite, acompanhado de dois soldados atrelamos os cavalos e saímos a galope em direção ao local do enterro, lá teríamos nossas respostas ou pelo menos assim pensava, mas algo de mais terrífico estava por ser descoberto. O caminho era longo, era tão estreita a entrada do desfiladeiro e de tal maneira estava oculta que se a tivessemos descoberta naquela noite pareceria inacessível, aumentando minha certeza que minha teoria não era nem um pouco disparatada. Havia algo de muito misterioso neste povoado. Chegamos ao local e fomos de imediato ao sepulcro de Suzzane, que a poucas horas recebera seu mais novo lar, Evans ordenou aos soldados que retirassem as pás que haviam trazidos em suas montarias para desenterrarem o corpo. Enquanto a terra era tirada o local cobriu-se de intenso nevoeiro, era aterrador o que eu sentia naquele momento, uma mistura maligna de medo, pavor e curiosidade invadiu meu corpo. Rapidamente o corpo foi retirado e Evans imediatamente foi logo a região onde deveria estar a cabeça do cadáver, mas o que vimos deixou a todos paralisados, encontramos um rosto disforme e onde deveria haver um cérebro havia apenas um enorme buraco,oque deveria estar na cabeça de Suzzane fora retirado violentamente, quebrando de maneira rudimentar os ossos do crânio. Enquanto Evans desenrolava o restante do corpo era possível verificar feridas enormes. Nem mesmo a peste negra que a pouco tempo devastara a Europa deixara tão horrível terror em suas vítimas. – Precisamos investigar mais, vamos abrir outros túmulos.Disse o capitão. E assim foi feito, e a cada corpo a mesma bizarra imagem, o cérebro extirpado e erupções múltiplas. Adentramos a noite naquele local a a cada túmulo sempre a mesma cana. Após devolver os mortos aos seus devidos lugares retornamos ao vilarejo ainda um tanto aterrorizados com o que vimos, era necessário colocar em ordem nossos pensamentos. Semelhante a um espelho quebrado, que multiplica as imagens da dor e da deformidade, ali proliferavam o obscurantismo e a brutalidade. Disto eu não tinha a menor dúvida. Estávamos a menos de um dia na aldeia e as incertezas e a incredulidade já tomavam conta de nossos pensamentos. Fatos dignos do mais voraz circo dos horrores, uma terra esquecida por Deus mas dominada por uma força sinistra e fatal. Evans notou minhas mãos trêmulas de maneira quase descontrolada e puxou de dentro de seu baú de viagem um garrafa de Brandy, tirando a tampa estendeu sua mão oferecendo-a a mim. – Vamos beber e descansar, precisamos colocar as ideias em ordem, amanhã falaremos com o prelado.  Disse ele. É irrelevante dizer que os fatos daquela noite ficaram irremovíveis de minha mente, não poderia ser de outra forma, como fechar os olhos para buscarmos um minuto de calmaria se estava impregnada em nossa mente os momentos apavorantes que passamos naquele macabro cemitério. Não demorou muito para que outra batida a porta me fizesse erguer-me rapidamente de minha cama, pensei logo ser o anúncio de outra morte, mas felizmente esta errado. -– Senhor,desculpe a hora, mas preciso falar-lhes. Estas foram as palavras de Fernando, um dos soldados de Evans quando me viu abrir a porta. Era um homem de grande estatura, pele escura e a expressão em seu rosto e o adiantado da hora mostravam uma certa urgência na conversa. Evans apenas sentou-se em seu leito e falou em voz alta ao soldado.. – O que desejas Fernando? Não pode esperar até amanhecer? – Capitão. Disse o soldado. Creio saber de algo de pode ser um dos motivos para estas tão horríveis mortes. A sua declaração fez Evans quase saltar de onde estava e ficar de pé ao lado da cama. – Entre Fernando, parece que temos muito que conversar.Disse ele. ---Como sabe, meu capitão. Disse o soldado. Em minha infância fui criado em uma aldeia na Somália, quando era menino fugi escondido em um barco de mercadores de peles, fugi para não ser morto por uma peste semelhante a esta. Toda minha família estava doente. – Mas qual a causa desta doença Fernando? Perguntei antecipando-me ao capitão. O Soldado parecia bastante nervoso, continuava de pé à nossa frente, esfregava as mãos de uma maneira quase descomedida. ---Meus ancestrais. Continuou ele. Cozinhavam o cérebro de seus parentes após sua morte na intenção de absorver seus conhecimentos, mas em vez de conhecimento,trouxeram a morte, despertaram algo que não puderam controlar. As palavras de Fernando foram para mim e para Evans como se a sorver de uma só vez um copo da mais pura Vodka Russa. Evans olhou rapidamente para mim com seus olhos arregalados e incrédulos, enquanto eu recostei-me na porta, que já havia fechado, sem saber qual pensamento antepor em minha mente já tão confusa. ---Não vamos esperar mais.Disse o Capitão.Vamos de imediato falar  com Tollins. Ao sairmos da velha casa, fomos novamente surpreendidos, os habitantes da aldeia com certeza já haviam descoberto nossa visita ao cemitério e se encaminhavam todos ao palanque da praça. Um estranho e profundo sentimento de hostilidade fez-me sentir quando fomos avistados por eles e rapidamente fomos para a capela evitando a praça central do vilarejo. Estávamos certamente a profanar ou descobrir algo muito mais obscuro que uma simples enfermidade. É certa a afirmação de Novalis quando diz que estamos mais perto de despertar quando sonhamos que sonhamos. Mas posso afirmar que o que passava-se naquele momento era um imenso pesadelo. Gostariamos que tudo não passasse de um enorme pesadelo, mas infelizmente era tudo muito real. Ao abrirmos a pesada porta da igreja, Fernando, Evans e eu percebemos que já estavam a nossa espera. Dispostos nos bancos laterais os aldeões observavam nossa chagada silenciosamente, o Prelado Tollins estava de pé enfrente ao altar que estava iluminado por pequenos lampiões. – Aproximem-se senhores. Disse ele. Aproximamo-nos lentamente do religioso (se assim posso chamá-lo) ao mesmo tempo em que ouvíamos o ruído da porta sendo fechada as nossas costas. Certamente tínhamos a certeza que algo de muito ruim estava prestes a acontecer. --- Os senhores desrespeitaram nossos mortos, profanaram seus corpos, deixaram suas almas a mercê do mensageiro das trevas. – Devo lembrá-lo Prelado, que eu e meus homens estamos a serviço de vossa majestade. Disse o capitão, já prevendo algum tipo de represália. ---Seus Homens.Disse Tollins em tom de sarcástico. – Seus homens, meu capitão dormem agora o sono eterno e seus cérebros serão servidos em um banquete a todos, todos menos os senhores, pois também estarão mortos, os senhores estão sozinhos, aquelas pessoas que viram lá fora estão neste momento destruindo seu laboratório. Fernando e Evans desembainharam suas espadas e puseram-se em posição defensiva em segundos estávamos cercados por homens com facões e foices. Graças a um presente de meu padrinho em Westpoint, Coronel Konrad, tinha comigo um pistola fabricada em aço e madeira com detalhes em prata, e foi com ela que, com um único disparo joguei ao chão um dos três lampiões que estavam sobre o altar. O fogo propagou-se rapidamente atingindo as veste de Tollins que não conseguiu livrar-se das chamas debatendo-se envolto em labaredas, a fumaça tomou por completo o infernal local. Naquele momento o diabo despejava sua fúria em forma de fogo e sangue. Um pavor indescritível em um local de deveria ser sagrado. A ouvir gritos enlouquecidos e o ruído de foices e facões a golpearem as espadas de Evans e Fernando fiz alguns disparos a esmo, sem nada ver a frente, até cair quase desfalecido,com os pulmões repletos de fumaça e um desespero nunca antes por mim sentido por não poder respirar, acompanhado pelo medo aterrador da morte. Arrastei-me até um púlpito de pedra que ficava sobre o altar e aos poucos os sons foram ficando mais distantes, e os meus sentidos sensivelmente enfraquecidos. Minhas visões eram como vapores que se perdem ao vento. Quando recuperei minha consciência, ainda jogado ao chão do altar e com muita dificuldade de respirar, senti que parte de minhas roupas haviam queimado, minhas mãos e meu rosto pareciam incender devido as queimaduras, o local estava destruído por completo. Com muito esforço, pois não podia apoiar as mãos totalmente deformadas pelo fogo, consegui erguer-me e caminhei entre cadáveres fumegantes até chegar ao que restava do portal, o odor de carne humana queimada era nefando. Suportando toda dor consegui chegar até a saída e avistei alguns aldeões que permaneciam em frente aos escombros do inferno. Quando surgi cambaleante sobre as cinzas do portão da demoníaca capela certamente causei espanto e curiosidade,deveria estar morto, sacrificado em nome de seus ancestrais. Ainda não recobrado da horrenda experiência, mantinha-me sempre de pé no limite de minha resistência, e deveria naquele momento ostentar aos olhos dos bárbaros uns ares de figura fantasmagórica, de uma aparição de mau agouro com o corpo quase a decompor-se pelos ferimentos, e então perpassei ante eles em direção ao centro da praça. Enquanto passava entre a multidão que se abria dando espaço para o moribundo sobrevivente, um silencio horripilante caiu sobre o vilarejo. Caminhei lentamente até uma de nossa carruagen que estava atrelada na praça sem que nenhum aldeão tentasse impedir, com muita dificuldade subi ao coche e parti em meio a escura noite sob os olhares daquelas criaturas demoníacas, fugindo aterrorizado por entre a neblina do lugar que posso chamar de A Aldeia da Morte.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Saudade

 

Um coração tão pequeno

Pulsando em um peito tão infantil

Um sorriso tão ingênuo

Saindo entre lábios tão ternos

Pensamentos tão puros

Em uma mente tão inocente

Passos ainda tão inseguros

Em pequenas pernas tão instáveis

Um olhar tão singelo

Em um rosto tão puro

Tudo tão autêntico

Tudo tão verdadeiro

Mas agora, tudo tão distante

Só esta saudade, tão grande.

 

domingo, 23 de setembro de 2018

O Livro do Sr. Drock

Esta narrativa data do ano de 1856. Da janela de seu quarto, na belíssima casa onde morava, na pequena cidade de Rotbav, no distrito de Brasov, Romênia, o jovem Dimitry, filho do respeitável  banqueiro, Sr. Samuel Breton observava ainda meio atônito o amontoado de escombros fumegantes que estavam expostos no que restara da casa enfrente a sua. Resultado de um desfecho bastante cruel e até mesmo aterrador que deixara o jovem assustado, mas também muito curioso. Em seus inquietos quatorze anos, Dimitry não tinha dúvidas que deveria dar vazão a sua curiosidade e desbravar os destroços do local onde a dois dias atrás morava aquele que era conhecido como o velho Sr. Drock. Não podia o jovem Dimitry deixar de pensar, como poderiam  imaginar que alguém tão enfraquecido pela idade, com dificuldades para se locomover, seria o responsável por atrocidades tão terríveis. Deveriam estar todos loucos, pensou o menino. Para melhor entendimento desta narrativa, vamos voltar um pouco no tempo e contar o desenrolar fatídico deste, que até hoje é considerado o assassinato mais aterrador daquela pequena cidade de camponeses. O Sr. Drock, linha um velho chalé de madeira, no número 23 da Estrada Postavarul, frenteando a casa da família Breton,já com idade bastante avançada, o pacato morador sobrevivia de consertos em relógios, profissão que herdara de seu pai e que não lhe trazia muitos proventos, passando ele, por inúmeras dificuldades financeiras, que só não eram mais graves devido a ajuda do pai de Dimitry, que sempre auxiliava o desafortunado relojoeiro. Durante o início do inverno daquele ano, algo muito sombrio  aconteceu em Robtav, Crianças misteriosamente desapareciam, sem deixar pistas, fato este que causou pânico geral na cidade, as escolas pensavam em suspender suas aulas, e o medo tomou conta de todos, não havia suspeitos, o que gerou uma onda de desconfiança e fúria entre os moradores do local. O xerife de Brasov, autoridade maior naquele distrito, imediatamente veio com seus homens e teve início uma minuciosa investigação para saber o que realmente havia acontecido aquelas inocentes criaturas. Duas semanas se passaram, e após exaustivas buscas, interrogatórios, e testemunhos, o xerife de Brasov indicou o Sr. Drock como possível suspeito, tendo em vista que sempre era o velho motivo de brincadeiras de mau gosto por parte dos jovens,que quebravam as vidraças do chalé jogando pedras, mas a notícia que deveria ser sigilosa se espalhou como uma praga por toda pequena cidade,e antes que as autoridades pudessem tomar qualquer providência, a população resolveu ela mesma agir em nome da justiça. Quando a policia chegou ao local,o velho chalé de madeira já ardia entre as mais altas chamas,provocadas por tochas arremessadas furiosamente pelas janelas. O velho Sr. Drock ,com uma corda envolta ao seu pescoço,já balançava no galho mais alto do Carvalho, que estava plantado em sua propriedade,sem nem mais um suspiro de vida. Um enforcamento,ou justiça, para os moradores,foi realizado raivosamente por débeis e incontáveis mãos,uma morte cruel e irresponsável tirou a vida do ancião. Porque nada fora encontrado na velha casa de madeira,a não ser pedaços de velhos relógios. Agora, além de jovens desaparecidos, havia um crime de assassinato para o xerife resolver, que teria que prender e interrogar um vilarejo inteiro. Ou, pelo menos, tentar. Pois bem, conhecidos os fatos passamos novamente a nossa narrativa. Sem vacilar o jovem filho do banqueiro atravessou a rua, já deserta, pois era quase noite, e adentrou ao local da execução. Após caminhar cuidadosamente entre os destroços de madeira, Dimitry encontrou uma pequena caixa de metal  que sobrevivera  ao incêndio, em um formato de uma pequena maleta, apenas um simples trinco, já quase aberto mantinha a caixa fechada. Logo, o corajoso menino pensou: que segredos terríveis ficariam protegidos, para que somente ele pudesse desvendar. Sem excitação o jovem desbravador de escombros tratou de abrir a tão inesperada descoberta, e deparou-se com um pequeno livro, muito surrado, em sua capa escura tinha o símbolo de uma espada com duas pontas, na parte inferior do velho livro estava gravado a seguinte frase: DULCETI-I IN INTUNERIC (em Romeno: levado para a escuridão). Após examinar as velhas páginas, um tremor tomou conta de todo seu corpo, em suas curiosas, e nervosas  mãos estava um livro com centenas de nomes, alguns quase já ilegíveis devido ao longo tempo em que  foram escritos. Mas o que causou maior surpresa ao incrédulo leitor, é que todos os nomes dos jovens desaparecidos, ali estavam sem faltar nenhum. Porque aqueles nomes estavam no livro do velho Drock? O que aquele velho livro tinha de tão misterioso, que precisava ficar oculto naquela pequena caixa de metal? Poderia o  livro do velho relojoeiro ser um amuleto,um portal sabe-se lá o que, diabolicamente usado para livrarmo-nos daqueles que nos são indesejáveis. Um caminho sem volta ,direto para as ardentes chamas do inferno. Para a escuridão, para o que de mais horrendo possa haver além de nossa imaginação. Seria ele uma vingança silenciosa. Dimitry ficou imediatamente tomado por um terrível sensação de medo, mas também de curiosidade. Teria ele usado o livro como sórdida maneira de afastar de uma vez por todas  aqueles  que lhe causavam tanta tristeza ao jogarem pedras em sua velha casa  chamado-o de velho louco? Se isto realmente é possível, o que ele tinha nas mão era algo de um poder sem limites, em suas mãos poderia estar a sentença mortal de quem assim ele desejasse. Atrever-me-ei a dizer, que naquele momento, o filho do Banqueiro alimentava consigo um desejo intenso e devorador de poder  controlar a morte. O elemento-chave em nossa civilização são os limites, não apenas se referindo ao desejo do jovem Dimitry, em particular, mas ao próprio indivíduo, tanto para o bem, quanto para o mal. Mas o jovem não estava preocupado com isto. Para ele não existiria mais limites. Dimitry estudava em uma instituição particular, mesmo sendo uma escola dirigida por  religiosos, sofria com as brincadeiras dos colegas porque usava óculos com grossas lentes, para compensar a falta de visão devido a problemas nas córneas. Porem este sofrimento ficava em sigilo, e nunca falara com seus pais ou professores, sobre o assunto. Mas o mau espírito, até então adormecido, falou do fundo dos abismos da sua alma quando, nas cinzas escuras daquele devastador local, o jovem de aparência ingênua foi tomado por pensamentos terrivelmente sombrios, cada vez mais essas sombras e semelhanças se tornavam mais espessas, mais cheias, mais definidas, mais inquietantes e mais assustadoramente terríveis e de aspectos maléficos na mente de Dimitry. Principalmente ao lembrar todo sofrimento que passava na escola. Mas para ele, tudo estava por terminar. Para o aluno humilhado pelos colegas aquela foi uma noite para pôr fim a  dor que atormentava sua alma, e após escolher detalhadamente quem deveria estar mortalmente registrado no maldito livro, sorriu, e adormeceu, aliviado e feliz. Sua vida nunca mais seria a mesma. O livro da Morte seguia seu curso de horror. Ao chegar na escola na manhã seguinte, Dimitry imediatamente viu que alguns professores conversavam nervosamente, com alguns pais de alunos na sala da direção, e em sua sala três lugares estavam vazios, e ele sabia, assim ficariam.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

O Mistério da Rua Lazzo

Moldávia 1859 Na rua Serguey Lazzo 665, na cidade de Chizinau, capital da Moldávia, ao lado direito da rua, no sentido de quem está subindo, não muito longe da Nativity Cathedral Metropolitan, há uma velha casa de pedras desgastadas pelo tempo, janelas altas e estreitas. No fundo existe uma cozinha com enormes e enferrujados fogões, e no jardim fornos de pedras, em um pátio onde as plantas já há muito tempo não veem uma poda e as ervas rasteiras crescem sem controle. Tudo encoberto por um muro de elevada altura. O proprietário, sir Maitrê Lovenzhi, mantinha ali um restaurante chamado “Lê Taureau Sauvage”, frequentado pela alta sociedade local. E tinha a culinária francesa como seu principal atrativo. Durante toda minha vida fui fascinado por acontecimentos estranhos, obscuros e perturbadores demais para serem reais, e é sobre o mistério acerca de sir Lovenzhi que passo a contar-lhes a seguir. Desvendar um mistério nunca é uma tarefa fácil, aqueles que sabem o que aconteceu não falam e aqueles que falam geralmente não sabem de nada Era primavera na Moldávia, as flores brancas do guiocei estavam por toda parte. O pais já sobre o governo do príncipe Alexandry Cuza a polícia da Moldávia buscava indícios de conspiradores contra o principado, que há pouco havia assumido o poder. Após o misterioso desaparecimento de Lovenzhi a alguns meses, o inspetor Sheppard e a polícia local resolveram então inspecionar o abandonado estabelecimento do Maitrê francês. Atendendo ao convite de Sheppard acompanhei o inspetor naquele final de tarde, início de noite em Chizinau. Não foi difícil adentrar ao velho “Sauvage”, que mais parecia um mausoléu, dado o seu estado de completo abandono. Sheppard estava convencido que o proprietário ocultava algum segredo por trás das pesadas paredes de pedras. Segredos obscuros, que normalmente terminam muito mal. Lovenzhi era um homem solitário e tinha apenas três funcionários, Meiwes, Cavanoh e Eulav, e havia lugares na casa que nem seus empregados tinham acesso. Com seu súbito desaparecimento, todo o mistério aumentara, mistério este que o inspetor estava determinado a desvendar. Ao chegarmos ao local fomos de imediato onde parecia-nos ser o escritório, encontramos sobre uma velha e empoeirada mesa de carvalho pilhas de antigas cartas e mapas da cidade, livros de origem estranhas e em um pequeno baú de madeira encontramos velhas moedas e medalhas enferrujadas. Sheppard de imediato pegou um dos envelopes, caminhou até o canto da sala e acendeu uma vela, aplicou um leve calor ao papel para fazer surgir qualquer escrita que por ventura estivesse escondida. No silêncio da sala, o único ruído era de nossas mãos vasculhando os papéis. Aos poucos se foram revelando fórmulas para poderes secretos, mistérios das ciências ocultas, profecias místicas estavam ali reunidas em uma caligrafia quase ilegível. Além de um amontoado de anotações e desenhos referentes a anatomia humana e procedimentos médicos. O inspetor, tomado pelo sua inegável intuição, com um lampião erguido em sua mão esquerda esgueirou-se por detrás de alguns barris de vinho que ficavam no fundo da velha cozinha, abrindo uma pequena porta tinha-se acesso a um túnel, cujo local era escorregadio devido à presença de águas fétidas que escorriam pelas fendas das grossas pedras. No final do estreito corredor encontramos uma câmara abobadada iluminada apenas pelos pequenos archotes que carregávamos em nossas mãos. Nossas sombras eram como espectros a surgir das paredes. Era uma cena, no mínimo, assustadora e intrigante. Adentrei mais ao fundo, por um instante pareceu-me ter alguém a olhar por sobre meus ombros e senti um forte odor de algo apodrecido, estremeci de medo, meu interesse se aguçava a cada passo enquanto investigava arrebatado de curiosidade o interior do até então desconhecido local. Em um canto, dentro de uma pequena caixa encontrei vários frascos de terebintina, uma essência em forma de resina vinda das coníferas. Mesmo parecendo estar ali a muito tempo, ainda podia sentir-se o cheiro fortíssimo de pinho. O aroma de terebintina nos fez pensar que estavam ali para esconder algo de natureza terrível, pois sua essência conseguiria facilmente dissimular qualquer fetidez. Acidentalmente esbarrei em um armário, que se movendo lentamente acionou um elaborado sistema de alavancas que nos levariam surpreendentemente a uma outra câmara. Nessa segunda câmara encontrou-se algo anômalo, incompreensível, se eu não estivesse junto não acreditaria. O inspetor ficou confuso, surpreso e horrorizado com nosso achado. Eram vários ossos que poderiam ser humanos devido ao tamanho e formato. Além disso, também havia roupas carcomidas, provavelmente por ratos e traças, mesas como as encontradas em açougue com facas, cutelos, serras e ganchos. Certamente passarei o resto de minha vida lembrando-me daquele momento. Existiria a possibilidade de Lovenzhi usar carne humana em seu estabelecimento? Um experimento doentio tinha ali acontecido? Para o inspetor Sheppard esta possibilidade teria uma grande probabilidade de ser verdadeira. Nada tinha a ver com demônios que espreitam suas vítimas ao anoitecer, fantasmas e espectros que assombram os bosques, gatos pretos roubando seu ar, e o diabo se escondendo nos matagais para roubar sua alma. Oque estava ali era muito real e horrendo. A morte é a principal ameaça, a preocupação obsessiva do homem desde Que abandonou as cavernas, dentre todos os animais só o homem sabe que assim como nasceu terá que morrer um dia. E isto é perturbador. Era uma quantidade inacreditável de ossos, em alguns encontramos algumas joias e entre elas havia um brasão em uma túnica com a imagem de uma espada atravessada em uma ave de rapina, o qual o inspetor reconheceu como sendo de uma família abastada de Chizinau, os Piaget’s, que subitamente deixaram a cidade. Poderia ser uma coincidência, mas era bem pior que isto. O patriarca da família Piaget’, sir Edmond, era um homem austero, por vezes mal educado, era frugal, tinha um passado assombroso o qual tentava esconder, quando era comandante do exército russo era conhecido como krasnyy palach (carrasco ruivo), contou-me o inspetor. Mas ao desconfiar da possibilidade de Lovenzhi ter matado o seu irmão Ferdinando, a quem o maitrê devia uma elevada quantia em dinheiro, a sua natureza se transfigurara, voltando a ser o que fora no passado, simplesmente para descobrir o que realmente havia acontecido com seu irmão, ou seja, a verdade. Esta mudança de comportamento pode ser uma das prováveis causas do estranho desaparecimento do proprietário do “Le Taurem Sauvage”. Afinal a vida pode ser injusta, mas a morte também. Sheppard lembrou-me que havia notícia de sumiço de mendigos em jornais locais, em especial o Les Medie International. O inspetor disse novamente que os Piaget’s saíram subitamente da cidade, mas Ferdinando, que era considerado a ovelha negra na família fora encontrado por inúmeras vezes jogado nas vielas, desmaiado devido ao abuso de álcool, o jovem havia sumido enquanto sua família ainda estava na cidade. Poderia ser dele alguns dos ossos que encontramos nessa segunda câmara, já que se achou um brasão com desenho parcial de uma espada em um botão de casaco destruído. E logo após a saída da cidade da família do sir Piaget’s, Lovenzhi desapareceu. Será que o mistério começava a ser desvendado? Havia informações não confirmadas de que esta família praticava magia negra antes de vir para Chizinau, havia rumores que tinha um passado obscuro, e isso fez com que mudasse para a tranquila Moldávia. Contavam que a fortuna dos Piaget’s teria sido adquirida de modo usurpador, falavam que o patriarca da família era um hábil hipnotizador e usava esse talento para induzir as pessoas a fazerem qualquer coisa para seus interesses particulares, como matar, roubar, e deste modo teria feito sua fortuna, outros ainda diziam que fora adquirida em sangrentas batalhas, mas ao certo ninguém sabia, apenas que eles tratavam bem a todos, mas sempre reservados, mantinham-se longe dos comentários e em poucas ocasiões saiam de sua mansão. Teria Edmond desconfiado ou descoberto que Lovenzhi usaria carne humana em seu restaurante, e que teria o maitrê matado Ferdinando por causa da dívida? e então feito justiça com as próprias mãos matando o maitrê e saído da cidade com a família, ocasionando todo esse mistério? Poderia isso ser possível? Diante das evidências que encontramos naquela casa do terror, qualquer pensamento por mais insano que possa parecer seria no mínimo razoável. Os Piaget’s teriam ido para lugar desconhecido, talvez até tenham mudado de nome. Mas como achá-los? Fomos então a procura dos antigos empregados do restaurante, segundo um dos funcionários do Lovenzhi, Cavanoh, que nos confirmou algumas hipóteses, nos contou a história sobre a mulher do seu patrão, Clarisse, que morreu tragicamente atropelada por cavalos que se soltaram de uma carruagem da família Piaget`s. Perguntamos por que não informar a polícia antes, disse que fora ameaçado de morte pelos Piaget´s se contasse a alguém. E desde então Lovenzhi estaria transtornado e obcecado para trazer de volta à vida de sua amada. Para tanto estava usando práticas da transfusão de sangue humano para ressuscitar sua amada. E se isto pareceu-nos medonho, soubemos então o que ele fez com os pedaços de suas vítimas. Como tinha carne humana vindas dos crimes que cometia, resolveu usar no seu restaurante .Talvez Lovenzhi tenha perdido mais que sua companheira, naquele momento havia perdido também sua sanidade. Ele desafiou o destino, mas nunca deve-se desafiar o que não podemos controlar. O que disse o homem foi confirmado pelo inspetor ao encontrar em uma velha e suja banheira o cadáver de uma mulher, possivelmente a esposa de Lovenzhi em completo estado de putrefação. Tubos, seringas e finas mangueiras de borracha achados ao lado do corpo confirmavam as incontáveis tentativas, mas sem sucesso, de ressuscitação de Clarisse. Era uma cena monstruosa e aterradora, onde o espírito mesmo depois de morto não encontra o seu devido descanso. Por fim Cavanoh confirmou que Edmond havia matado seu patrão, com uma espada de lâmina curva com o cabo de Madri pérolas e com dizeres em latim ``Hic est, hic est Honos´´(aqui se faz, aqui se paga), deixada cravada no crânio do demoníaco açougueiro, levando-o a morte quase imediata. Com certeza o instrumento do crime deixado no local era uma mensagem do assassino. – se tivesses consciência, jamais teria acontecido isso, essa barbárie que também me fez fazer. Após encontrar o corpo de Lovenzih, Cavanoh colocou seu patrão em uma cova rasa nos fundos do velho restaurante. As peças do intrincado mistério começavam a se encaixarem. O patriarca dos Piaget`s novamente assumia sua posição de cruel carrasco para vingar a morte do seu irmão. E esse mistério, essa história que iniciou como um simples sumiço, teve um macabro e quase inacreditável fim. Onde a insanidade, vingança e crueldade foram seus panos de fundo.

sábado, 23 de junho de 2018

A Dama da Ponte

A noite estava extremamente gelada, a neblina inclemente cobria toda a  London Bridge. A madrugada, juntamente com o inverno inglês, traziam a gigantesca ponte que cortava Londres ao meio, sobre o rio Tamisa, um ar melancólico e abandonado. Era quase impossível ver as águas do rio, a névoa era intensa. Porem eu já me acostumara com aquele cenário, minha residência era no numero 123 da St. Tooley, e atravessava todas as noites a portentosa London Bridge para chegar a St. Lower Thames, local onde se amontoavam tabernas e casas de jogos, meus passatempos favoritos. Naquela noite em particular, fui surpreendido por algo que jamais esqueceria, e que, com certeza, me levaria no mínimo a refletir sobre a relevância que cada um de nós atribui a si próprio. Já passava das quatro horas da manhã, havia eu erguido a gola de meu sobretudo, na inútil tentativa de proteger-me do vento que não era forte, mas envolvia-nos como em uma geleira gigantesca, quando avistei sobre um dos paredões de pedras na lateral da ponte uma fisionomia corporal que a princípio me pareceu ser de uma mulher, fato que se confirmou após minha cautelosa aproximação. Sentada sobre o muro de pedras estava uma jovem, ou assim me parecia, que ao me perceber chegando apenas virou o rosto para observar quem era o noturno transeunte, e depois retornou a fixar seus olhos nas águas do Tamisa, cobertas pela quase assustadora neblina. A poucos metros da estranha contempladora das águas observei por alguns instantes aquela cena. Uma mulher que a analisar pelos traços de seu rosto,deveria estar na casa dos trinta anos, cabelos longos escuros soltos sobre os ombros, um vestido de longas mangas na cor lilás que cobria até os pés, e sobre os ombros um imenso xale de renda preto .Não havia colares, pulseiras, tampouco brincos. Sentada com os pés na parte externa da murada e as mãos respectivamente apoiadas no colo, parecia serenamente apreciar algo em meio noite escura. Quem seria esta dama da ponte? Estávamos em 1862, a Inglaterra passava por uma crise financeira muito grande, e muitas operárias das fábricas após a demissão se aventuravam pelas noites londrinas para buscar algum dinheiro para sobreviverem. Mas a falta de adereços e o rosto sem maquiagem me lavaram a pensar que a sorte havia esquecido a figura noturna da London Bridge. – Boa noite Senhorita...posso ajudá-la? Perguntei, – Creio que não. Disse ela sorrindo. Enquanto respondia a minha indagação, mudou lentamente sua posição na murada e girou seu corpo colocando os pés ao lado de dentro da ponte, Fato que me deixou, admito, mais tranquilo. – Não pensei encontrar alguém a esta hora, neste lugar tão deserto. Disse eu, enquanto recostava-me próximo a ela.. – Nasci neste local.  Disse ela. E continuou.... – Minha mãe deu a luz embaixo desta ponte, cresci pelas vielas de Londres comendo as sobras nas portas das tabernas. – Mas estas bem-vestida, a vida com certeza legou sorte em seu caminho. Argumentei… – Recebia presentes de um distinto cavalheiro, em troca de alguns favores.. Respondeu ela...rindo de maneira discreta, quase imperceptível. – Mas isso foi a muito tempo, homens com dinheiro querem mulheres mais novas! Concluiu. Não havia dúvidas que a mulher de longo vestido lilás tinha passado uma vida de agruras e submissão. São personagens e dramas que só a noite traz, e durante o dia não encontramos. Um ser pensante mas sem ambição alguma,apenas passando pela vida, é no desprezo pela ambição,que reside – Podes dizer-me teu nome? Perguntei – Se eu falar-te meu nome como saberás que não estou mentido? Disse ela enquanto sorria, um sorriso melancólico . – Tudo termina onde começa, no espetáculo da vida o palco acaba sempre no escuro, no nada, no breu! Prosseguiu ela... ---Um pesadelo nascido dos meus temores mais profundos pegou-me vulnerável. Vestígios sussurrantes liberados pelo impiedoso tempo e pela infinda distância, pela vida miserável daqueles que para a sociedade são invisíveis. Enquanto falava,abriu lentamente seu xale, uma mancha de sangue estava estampada em seu vestido na altura do tórax. Ela estava ferida, mas parecia não se importar com o ferimento que sangrava. E contínuo…. ---A alma,quando solta é tocada por todos, mas nunca é acalentada por ninguem. Trilhando seu caminho guiada por uma mão imperceptível. O meu futuro não trarme-a nada além do meu insignificante passado refletido de volta para mim mesmo, como já disse, tudo acaba onde começa. Busquei aproximar-me, preocupado que estava com o sangue que se expandia pela frente do vestido. Mas erguendo sua mão direita aberta em minha direção a desconhecida mulher sinalizou para que eu não prosseguisse. Naquele momento pude ver entre os dedos de sua mão, enrolado, um pequeno rosário com uma cruz de madeira presa a ele. Seria possível, no momento de maior martírio daquela alma, existir algum alento divino que pudesse aplacar aquele sofrimento? Sem baixar a mão ela continuou a falar. ---Quando estou neste local sinto-me em casa, nasci aqui entre os pilares, enfrento todos os dias verdades que não posso negar, e como sempre as enfrento sozinha. Até que finalmente chego ao fim, ao meu fim, volto para casa. Dizendo isto, sem que pudesse eu fazer qualquer movimento, deixou-se cair de costas nas águas nevoentas do Tamisa. Corri imediatamente para borda da ponte, mas o que pude ver foi apenas o lilás de seu vestido desaparecendo lentamente, e ouvir o som de seu corpo de encontro as águas.  Permaneci ali por mais alguns minutos, o silencio abraçava a escuridão, os longínquos lampiões mal iluminavam seus próprios mastros, então segui meu caminho até o numero 123 da St. Tooley. Jamais esqueci a dama da ponte, e jamais fiz saber a quem quer que fosse, o que se sucedeu naquela noite.   

quinta-feira, 22 de março de 2018

O Caso da Família Hoster

Uma cidade pequena, chamada Swuan Valley, Por ela passa uma estrada, cortando ao meio o que deveria ser um próspero local para morar, parece-me mais um local onde o tempo passa vagarosamente, nela existe alguns comércios, uma cafeteria, uma minúscula igreja, uma loja de ferramentas, o escritório do xerife, o hotel Chickerien, e todos os tipos de pessoas, andarilhos, jovens, fugitivos, fanáticos religioso, e aposentados. Pois foi neste acolhedor local, se assim posso dizer, que me encontrava em fevereiro de 1893 vindo a convite de meu amigo de muito tempo,o Dr. Rosenwood. Ele tinha um instituto psiquiátrico em Baltimore, que levava o seu nome e teria vindo a Swuan Valley a fim de conhecer a Srta. Caterine Roster, uma jovem que segundo dizia seu irmão Robert na carta  que escreveu  para meu amigo passava por terríveis distúrbios mentais. De chegada fomos diretamente ao hotel Chickerian, ficando com o aposento de número 23, ao lado, no 24,estava Rosenwood. Deveríamos descansar da longa viagem de quase três horas, pois no final da tarde iríamos conhecer a família Roste, ou o que restou dela visto que os pais morreram em um terrível acidente. A comodidade do estabelecimento é que faz escolhermos este ou aquele local, mas será que o objetivo não é tornar os lugares mais comuns? pois o senso prosaico faz-nos sentir em casa. No quarto do hotel havia um velho sofá com tecido de gosto duvidoso, certamente quando novo deveria ser de cor alaranjada, uma escrivaninha de clara madeira com puxadores em cobre escuro e as paredes eram recobertas por antigo papel de parede floral em tons amarelados. Cobrindo quase todo o chão tinha um tapete, também bastante velho e o que chamou a atenção era uma mancha bem próximo a porta. No canto do quarto apenas uma pequena lamparina que com certeza seria minha única luz quando irremediavelmente a noite chegar. Não sei bem porque mas os hotéis das pequenas cidades me parecem um tanto quanto misteriosos. Quantas  pessoas já passaram por aqui? Quantos segredos se revelaram entre estas paredes? quantos ainda podem estar ocultos? Acho que minha imaginação criativa esta a passar dos limites, como sempre. Tratamos de acomodar-nos de acordo com o que havia de disponível e aguardamos o horário das dezenove horas, o qual tinha  o Sr. Robert marcado para receber-nos em sua fazenda ao norte de Swuan Valley. Com a carruagem disponibilizada pelo hotel, chegamos no horário marcada a fazenda dos Roster, a casa principal ficava a poucos metros do portão de entrada, Era uma construção no estilo vitoriano, uma vigorosa porta em madeira trabalhada com entalhes em forma de animais chamava a atenção de quem se aproximava da mansão, a fachada, que tinha três andares era coberta por inúmeras janelas, todas com cortinas em renda branca, e bem acima, uma pequena janela que presumi ser o sótão. Recebeu-nos a porta uma senhora com cabelos grisalhos amarrados para trás, usava  um uniforme preto com bordados azuis claro na gola e nas longas mangas, fomos por ela então encaminhados a biblioteca onde seriamos recebidos por Robert, fato que aconteceu poucos minutos após nossa chegada. A informação que tinha sobre o Jovem fazendeiro era por intermédio do Dr. Rosenwood, segundo o médico o proeminente jovem tinha aproximadamente 25 anos, era ex- aluno da Faculdade de Medicina de Baltimore, onde o doutor fez inúmeras apresentações, fato este que fez  tornarem-se amigos. Sua irmã Caterine era mais nova, e juntamente com o irmão administravam a fazenda após a morte dos pais. Confesso que por alguns segundos fiquei paralisado ao perceber a discreta entrada de Robert na luxuosa sala. Contrastando com o glamour do local onde estávamos, o jovem adentrou a biblioteca em passos lentos, suas roupas mesmo sendo confeccionadas em tecido da mais alta qualidade, demonstravam desleixo, o paletó de puro linho em tom marrom escuro, cobria uma camisa de seda branca, que totalmente para fora das calças do mesmo tecido do paletó, estava completamente amassada e desabotoada em seus três últimos botões. Pude perceber que Rosenwood também teve um sentimento de estranheza, pois sua testa franziu-se ao contemplar aquela figura, que mais parecia um andarilho do que um poderoso dono de terras de Swuan Valley. Após breves apertos de mão tratou o desalinhado jovem em dizer o motivo pelo qual trouxe-nos de tão longe, afirmando em sua carta que precisava falar sobre sua irmã. – Dr. Rosenwood, disse o jovem --  preciso muito de sua ajuda! E acrescentou. ---Por  várias vezes presenciei suas experiências com a mente humana, e preciso do seu diagnóstico sobre o que esta acontecendo. – Tem a ver com sua irmã?  Perguntou o médico. Neste momento o nosso anfitrião já demonstrava um certo desconforto, suas mãos pareciam-me um tanto trêmulas e sua fisionomia mudara completamente, deixando transparecer um olhar que beirava o terror, o medo. --- Sim. É sobre ela. Tem algo que quero mostra-lhes! Disse o jovem.    Meu amigo, sentado na poltrona ao lado da minha, levando a boca o cachimbo que acabara de ascender, perguntou ao Jovem…. – Quando poderemos vê-la? Levantando-se lentamente, Robert caminhou até a porta, seu estado de calmaria havia voltado e virando-se para nós disse em voz baixa…. ---Minha governanta vai mostrar-lhes seus aposentos. Descansem e quando for o momento certo eu mandarei chamá-los para ver Caterine. Imediatamente a mesma senhora, com seu uniforme preto levou-nos até nossos quartos que ficavam no segundo piso, na parte frontal da mansão. Lá havia um bule com chá de algum sabor que não pude distinguir qual e uma bandeja  com frutas e biscoitos. Posicionei uma cadeira frente a enorme janela que privilegiava uma bela visão da frente da propriedade, pois a noite havia chegado e a luz da lua trazia um espetáculo magistral sobre os campos que se perdiam ao longe. Pouco tempo foi nossa espera, a mesma senhora veio avisar-nos que éramos aguardados na varanda, um local que ficava na lateral da casa e que tinha algumas poltronas feitas em Vime, luz muito baixa, e tínhamos dali uma ampla visão da plantação de algodão. Um dos cultivos da fazenda. Ao chegarmos ao local, logo sentamo-nos cada um em uma poltrona individual, ao lado de Robert, que já estava devidamente acomodado. – Agora os senhores saberão o motivo de sua visita! Disse, e continuou... ---Após a morte de nosso pai, eu e Caterine ficamos com o dever de tocar os negócios da fazenda. Por diversas vezes disse a ela que não tínhamos conhecimento para administrar, e aconselhei vendermos as terras, assim eu poderia voltar a morar em Baltimore, e ela poderia viver no conforto com sua parte da venda. Mas ela sempre foi contra. Meu amigo Rosenwood tentou dizer algo mas antes mesmo de pronunciar uma só palavra, erguendo a mão o jovem pediu que ficássemos em silêncio para ouvir seu relato. --- Comecei a introduzir pequenas doses de Láudano em suas refeições,  para acalmar seus sentimentos pela perda de nosso pai, mas na verdade, queria eu tirar dela a lucidez deixando somente a mim e decisão de vender a propriedade. Enquanto falava sua expressão foi mudando dramaticamente, um tom de desespero foi tomando conta de sua voz, durante boa parte do relato seu rosto ficara entre suas mãos. Nós, os dois ouvintes, estávamos perplexos com o que  presenciávamos. Não podíamos crer que o irmão, sendo ele conhecedor dos métodos da medicina infringisse um tormento psicológico tão grande a própria irmã. Mas o mais inacreditável estava por vir.    A mente humana é sem dúvida um órgão incrível, o corpo ao sentir qualquer reação externa manda imediatamente sinais para o cérebro, Mas a maneira como o cérebro vai interpretar estas mensagens é uma questão muito delicada. É mais uma arte interpretativa do que uma ciência, eu creio. Pois é a partir desta interpretação que sabemos, ou pensamos que sabemos, o que esta a  acontecer. Esta flexibilidade de interpretação é que nos faz, em alguns momentos, pensar que algo não existe, quando na verdade temos plena certeza desta existência. Esta negativa vem, certamente do medo que temos de admitir algo ao qual não temos total, ou nenhum domínio. Antes que qualquer outra palavra fosse ouvida, os três sentados como estávamos, vimos sair da imensa plantação de algodão uma jovem belíssima com um vestido de cor rosa e um xale branco sobre os ombros, pés descalços, cabelo louro da cor de ouro, um sorriso que demonstrava uma alegria contagiante, com as mãos segurava as laterais do vestido, e assim rodopiava  mais e mais, freneticamente, como se estivesse a ouvir a mais bela canção já executada. Por alguns momentos ficamos todos a contemplar tamanha beleza, até que o jovem Robert interveio…. – Esta é minha irmã Caterine.  Imediatamente Rosenwood tratou de acrescentar…. – É muito bela, e parece-me muito bem. O jovem levantou-se e lentamente caminhou pela varanda que levava aos fundos da mansão…. – Sigam-me e entenderão tudo!  Disse ele. Após caminhar alguns metros, descemos as escadas da varanda e adentramos em meio a plantação até chegarmos próximo de uma área mais aberta, onde havia um grande carvalho, o tronco totalmente rodeado de flores das mais diversas cores e aromas. Era um local de beleza impar, e pelos seus detalhes demonstrava ser cuidado diariamente. – A seis meses marquei uma reunião na fazenda com alguns interessados na compra! Disse o Jovem --- E não querendo a participação de Caterine, administrei a ela uma dose de Láudano maior que o de costume, sua interferência inibiria qualquer negociação. O que aconteceu depois? Perguntei ---Fui ao seu quarto após a reunião para ver como estava! Disse Robert – Mas ao chegar lá,vi que havia exagerado na dose, minha irmã estava morta. Naquele momento uma confusão de pensamentos tomou conta de minha mente, estava eu delirante ao ver aquela jovem dançando entre a plantação?Seriamos os três loucos a ponto de deixar a imaginação dominar nossa razão? Estariam os dois irmão a brincar conosco, como crianças? – Mas e aquela que vimos a pouco? Perguntou Rosenwood. ---Aqui é o túmulo de minha irmã! Disse Robert enquanto prostrava seus joelhos ao chão...e acrescentou – O que vimos a pouco é o que me atormenta todas as noites, durante seis meses, deixando-me enlouquecido, aquela que dançava frente a nossa varanda, é o espírito de Caterine. Estas simples palavras, clara e friamente distintas, caíram no ouvido e como um liquido quente foi infiltrando-se imediatamente no cérebro. – Não pode ser, nós também a vimos. Falei ainda meio confuso. Já era impossível à minha alma negar, por mais tempo, a certeza de que qualquer coisa de terrível e de inquietante se tinha introduzido no meu espírito e que todos os meus pensamentos estavam influenciados pelos estranhos acontecimentos. Espíritos dançantes era demasiadamente forçado para minha compreensão. O jovem ajoelhado entre as flores que adornavam o túmulo de Caterine, a qual ele teria tirado a vida, estava a confessar o crime horrendo quer havia cometido.  A minha imaginação, desde o primeiro momento incendiou-se com um fogo desconhecido. O meu espírito foi desde logo atormentado pela convicção crescente de que nunca poderia definir a espectral aparição a qual presenciamos, e certamente jamais seria por mim esquecida.   Robert, em  voz muito baixa revelou o objetivo de nossa fantasmagórica missão.   ---Quero ser internado em sua clinica Dr. Rosemwood, ou levado a prisão, devo estar louco, preciso que acabe este tormento, mas se realmente a viram também, somos os três completamente loucos.    

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

O Dilema do Perdão

 

Alguns religiosos afirmam que a salvação da alma começa pelo perdão, ou seja, a redenção de nossos pecados.Pedir perdão a Deus e afirmar estarmos totalmente arrependidos pelo pecados cometidos até então.Buscar o perdão junto as pessoas as quais magoamos, ferimos de alguma forma, ou até mesmo as prejudicamos ou enganamos com nossas atitudes.Falando assim parece-nos fácil, mas na prática se torna irremediavelmente mais complicado do que parece.

Racionalizando a intenção, será que ao confessarmos a alguém que deposita em nós alguma confiança, que em algum momento a enganamos, traímos sua confiança, e talvez tenhamos causado a esta pessoa perdas emocionais e financeiras sem que ela soubesse da nossa tão grande culpa.Será que receberíamos o pleno perdão, e estaríamos nós salvos e libertos do peso deste erro?

É bem provável que após nossa confissão, mesmo que acompanhada de remorsos e arrependimentos, perderíamos a confiança e talvez até mesmo o respeito da pessoa ao qual prejudicamos ou enganamos.Mas este não é ainda o pior cenário para o perdão.Tudo fica ainda mais incerto quando este pedido de perdão esta velado ao ambiente familiar, marido, mulher, filhos, pais, irmãos, etc.

A confissão em busca do perdão, quando é feita no seio da família pode ser um atitude nobre, acompanhada de muita emoção, mas deixa profundas marcas.Um erro pode ser perdoado mas jamais esquecido, e certamente o subconsciente de quem nos esta perdoando hoje vai inevitavelmente alertá-lo que já erramos uma vez, e que é prudente tomar cuidado.Isto tem apenas uma explicação, nossa relação de confiança com esta pessoa acabou.

Se achamos que esta situação traz motivos para uma longa análise antes de pedir o tão divino perdão, melhor seria vermos por outro ângulo onde nós é que temos que perdoar.Nesta situação cabe a nós dizermos ”eu te dou o meu perdão”,quando somos bombardeados por verdades até então desconhecidas por nós, e o que é pior, confessadas por alguém que tinha de nós total confiança.

O dilema do perdão é algo que independente de crença ou credo, esta incrustado no âmago de todo ser humano.Creio não estarmos ainda totalmente prontos para assumir as conseqüências do perdão, seja ele quando nos é pedido, seja ele quando nos cabe a penosa missão de pedir.Enquanto existir um sinal de alerta em nossa mente, que chamamos de consciência, o perdão passa a ser uma formalidade emocional que deixa-nos sujeito a efeitos dos mais variados.        

 


O Homem e seu tempo

Lúcio Aneu Séneca, um dos mais célebres filósofos estoicos do Império Romano, escreveu em sua obra ``A brevidade da vida´´ que o homem de...