domingo, 23 de dezembro de 2012

As Crônicas de Lawford


Madri - Espanha - 1904

Lentamente fui colocando meus poucos objetos dentro de uma caixa.Já estava na hora de ir,talvez para sempre,o destino é incerto e sempre traz surpresas com ele.
Inevitavelmente  devo levar comigo,além dos objetos,as lembranças,os sorrisos,as lágrimas,abraços,sonhos,uma abundante bagagem impalpável.Fica para traz um vazio,a ser preenchido certamente,por alguém.
Vou abrindo gavetas,revirando papéis,velhas fotografias,cartas declarando sentimentos  que agora já não importam mais,e a pequena lixeira enche-se cada vez mais.
Bem sei que devo levar somente o indispensável.
Mas o que seria de tão indispensável para quem sabe que deve sair,mas não sabe ao certo para onde ir?
Talvez deva levar em minha bagagem bastante coragem,otimismo,a certeza que estou fazendo a coisa certa.Mas isto não cabe em uma caixa de objetos.
Vou então remexer a lixeira,será que existe algo ali que eu deveria levar?
Não.Certamente não tem.
Ao findar a partilha do que vai e do que fica,devo sair em silêncio,sem nada dizer,sem fazer ruído.Não tenho a quem dizer adeus,saio sem o desconforto da despedida.Observo a caixa com as poucas coisas que nela coloquei.Vem-me então um riso tímido,tanto tempo,tantos anos,e nada tenho de valor,nem dentro deste velho apartamento,nem dentro de mim.
Será que para recomeçar a vida,se é que isto é possível,terei que juntar retalhos de velhas lembranças?
Pedaços de antigas fotos já rasgadas? E remontando-as ainda reconhecerei algum rosto?
Terei que montar um quebra cabeças com minhas emoções,tudo é incerto,mas inevitável.
Vou a janela,uma última olhada.Os prédios,as pessoas passando rápido no final de tarde,a catedral de Nossa Senhora de Almudena ao fundo,Madri é uma cidade linda.Um cenário que por longos anos não teve de mim qualquer atenção,mas agora me faz ficar imóvel,contemplando-o como pela primeira vez.
Observo o rosto das pessoas que passam,cada uma delas carrega uma história,distintas ,únicas,mas ao mesmo tempo interligadas por tristezas,alegrias e superações.  
Porque só agora tenho a percepção destas coisas?
Certamente ao descer as escadas e sair do edifício,juntar-me-ei a elas,pessoas felizes,pessoas melancólicas,pessoas como eu,pessoas comuns.
Deveria colocar um agasalho ao sair?será que faz frio lá fora?
Não importa,é minha alma que está gelada,uma sombria insignificância.
Quem sabe um dia possa voltar,não sei.Quando somos crianças queremos crescer,quando estamos velhos queremos voltar a infância.Tudo culpa deste nosso espírito  inconstante,que a cada minuto muda seus desejos,e nos faz perambular como sonâmbulos despertos pelos caminhos de nossa existência.
Mas que insano,filosofar em um momento tão impróprio.Talvez seja o nervosismo.
Tudo,por fim está arrumado,se assim posso dizer.O meu tudo,que é tão pouco,que se assemelha a quase nada.Uma ausência preenche minha vida por completo,e a destrói.
Minha amada a muito já se foi,era seu maior desejo.
Já posso ir,mas detenho-me por alguns instantes ao chegar a porta,existe uma dúvida que preciso elucidar antes de girar pela última vez a maçaneta e sair.
Será este,também,meu maior desejo?   








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