Em fevereiro de 1851 recebi em
minha residência na rua St.. Tooley 123,uma carta escrita por meu amigo e
escritor Edgar A. Relatando em detalhes o infortúnio de ver o chalé em
Boston,onde tinha sua biblioteca ser consumido totalmente pelas chamas.
Após tomar conhecimento do
lamentável acontecimento, descrevo com muito pesar,palavra por palavra o seu
conteúdo:
Prezado
amigo Lawford...
Depois
de restabelecido do calamitoso incêndio que transformou em cinzas minha
moradia,escrevo-lhe retratando neste compêndio minha imensa aflição.
Já
era madrugada de terça feira quando o coche conduzia-me de retorno a
minha casa no número 103 da rua Dorchestes,em Boston,após uma noite de
frivolidades e bebidas no Le Chat Blanc Club.
O
clarão que iluminava quase todo o quarteirão,e os estalidos das madeiras do
chalé já denunciavam que algo de muito terrível estava acontecendo.Ao
aproximar-me percebi o local que onde tinha,por algum tempo,escolhido para ser
meu domicílio,estava sendo engolido pelas labaredas.
Tal
foi minha tão grande angústia que esmorecido,sente-me ao chão, do lado oposto
da rua.Ainda sob o efeito do que havia consumido durante a noite e tomado de
grande aflição pelo que presenciava,veio-me um riso débil,uma hilaridade
descontrolada,minhas pernas infirmes não deixavam erguer-me.As árvores,a
rua,o céu escuro,os bombeiros que corriam desordenadamente,tudo estava
diferente,tremeluzindo em imagens difusas.Minha mente estava extremamente
perturbada,e o riso inadequado em um trágico momento,transformou-me em
pândego em meio ao caos.
Perder
tudo nos dá um certo censo de liberação.No início lamentamos,depois sentimo-nos
desnorteados,mais tarde faze-se um inventário das perdas e imaginamos como a
vida será empobrecida daí em diante.Passamos então a lastimar pelas coisas que
foram repentinamente tiradas de nós,e sabemos que muitas delas jamais as
teremos novamente.Sem mais ter o que sempre tivemos tornamo-nos outra
pessoa,tornamo-nos qualquer pessoa.É a máscara da liberdade escondendo a face
do abandono.
Aos
pouco a Dorchester foi ficando vazia,apenas a fumaça acinzentada que vinha dos
escombros e entrava em minhas narinas como fogo,e uma gaiola que milagrosamente
foi salva das chamas,faziam-me companhia naquele cenário de desolação .
Restava-me
agora uma gaiola com um pequeno pássaro e um grande alívio,por não mais
precisar preocupar-me com nada a não ser escrever.
Um
abraço.. Edgar A.