segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Assassinato no Cais

Estávamos em 1862, o cais londrino era entre muitos lugares da cidade um dos pontos mais frequentados durante a noite. Suas tavernas e clubes noturnos traziam diversão e prazer a quem por ali passasse. Mademoiselle Nina era uma dessas lindas e encantadoras jovens que por descuido do destino nascera em uma família muito pobre. De origem polonesa, aos dezoito anos foi parar no Club Le Chat Blanc, uma das mais finas e frequentadas casa noturna da cidade. Entre aqueles muitos que tinham em Nina sua principal razão para frequentar o Le Chat Blanc estava o Sr. Debruhá, um homem grisalho, alto, na casa dos sessenta anos e muito rico. Ninguém sabia ao certo de onde ele viera e nem tampouco a origem de sua fortuna. Se dizia agnóstico, ateu, herege, ou como você queiram chamar aqueles que descreem de tudo a não ser em seu próprio dinheiro. Sarcástico ao extremo dedicou boa parte da vida a cultivar inimizades graças a sua atitude arrogante, e sentia prazer ao despejar veneno a granel com seus comentários. Tinha boa aparência, o nariz reto, sorriso irônico e uma testa larga de onde surgia o cabelo comprido penteado para trás passando por trás das orelhas e indo até o colarinho do casaco em veludo. Usava bigode mas sem costeletas, carregava no bolso esquerdo de seu colete um fino relógio de ouro com um brasão que se julgava ser de sua família. Sempre segurava com maestria uma bengala de madeira escura digna dos mais nobres cavalheiros londrinos, com o cabo também coberto do mais puro ouro. Era sem dúvida um símbolo da nobreza londrina. Naquela fria noite de inverno não foi diferente, Debruhá bebia ao lado de Nina e fazia questão de ser notado por todos enquanto sorria ao ver sua acompanhante ajoelhar a seus pés para que moedas fossem por ele jogadas no decote de colorido vestido. Porem aquela seria a noite fatal para o presunçoso fanfarrão. Após frequentar os aposentos da jovem por um longo tempo, o homem desceu ao salão para mais uma taça de champanhe, enquanto Nina sentava-se ao seu lado no canto da sala. Da porta de entrada do salão um homem acenou discretamente para a jovem que apenas balançou a cabeça afirmativamente. O homem a porta chamava-se Kominski e era o irmão mais velho de Nina. Um marinheiro bêbado que circulava pelo porto a noite a procura de alguém para lhe pagar uma bebida e muitas vezes detido pela policia londrina por pequenos furtos em armazéns do porto. A noite transcorreu como todas as outras, muita músicas, damas encantadoras circulando pelo salão e cavalheiros apaixonadamente embriagados deixavam suas moedas de ouro caírem nos amplos degotes de suas acompanhantes. Já passava de três da manhã quando Debruhá saiu a porta do Le Chat Blanc encaminhando-se até onde deveria estar sua carruagem, mas naquele horário as ruas do cais ficavam desertas e perigosas. Talvez o efeito das incontáveis taças de champanhe degustadas por Debruhá ou quem sabe sua arrogância fez com que o pomposo nobre penetrasse na nevoente noite sem qualquer preocupação. Kominski, que certamente já estrava a espreita á algum tempo esgueirou-se pelas sombras aguardou o melhor momento para executar seu propósito e vindo rapidamente em sentido contrario não hesitou em esbarrar bruscamente arremessando Debruhá contra a porta de um dos armazéns. Não houve tempo para qualquer reação pois usando sua faca com grande habilidade encostou a lâmina ao pescoço do homem fazendo com que ficasse imobilizado. Certamente o susto devolveu a Debruhá o raciocínio rápido, e pensando ser um assalto tratou de meter as mãos nos bolsos do fino paletó e jogar suas moedas aos chão para que o ladrão as pegasse, mas infelizmente para ele aquilo não era um simples roubo. Kominski sorriu ironicamente vendo sua vítima transpirar de pavor e desferiu certeiro golpe no pescoço do abonado boêmio. Sem qualquer tempo para reagir o homem foi escorregando de contas pelo paredão do armazém da companhia Ócean Bleu enquanto seu agressor introduzia cada vez mais fundo sua afiada lâmina. Kominski retirou o relógio e recolheu as moedas jogadas ao chão, mas não havia dúvidas que o motivo da morte não era um simples roubo, toda a humilhação que era imposta aos que rodeavam o requintado cavalheiro fizeram dele pessoa não grata para muitos. Após alguns segundos o irmão da jovem Nina afastou-se do local e o ensanguentado e agora já não tão prepotente Debruhá permanecia jogado ao chão ao lado do armazém. Uma agonia aguda, mortal parecia espraiar-se do rosto já ensanguentado tocando cada fibra de seu corpo e membros, que tremiam descontroladamente. Seu coração que antes batia intenso de repente pareceu estar a ponto de sair-lhe pela boca. Sentir o peito expandir em convulsões e em supremo desespero seus pulmões sorveram uma enorme e última golfada de ar. Com a expressão de total desespero soltou com um grito agudo, antes de ficar totalmente imóvel,caído sem vida em um escuro e sujo beco de Londres. Circunstância que por si só já era suficientemente estranha para ficar retida em minha mente. Eu já não visualizava nada exceto aquela cena, um cenário extraordinário e fantasticamente terrível. Quem a minutos atrás zombava do seu semelhante agora ensopava suas roupas no próprio sangue em um cais imundo. Mas o assombroso episódio ainda não havia acabado. Do alto do armazén onde me encontrava, quando olhava através do telhados via-se uma sombra gigantesca que parecia uma estranha fumaça umbrosa descendo na direção do corpo já sem vida. Certamente algo cujo significado era maligno, pois o cais envolto na escura noite emitia ruídos singulares, incompreensíveis entre os quais, gritos de tormento que jamais ouvira. A maléfica sombra talvez enviada pelo próprio demônio cobriu Debruhá totalmente e sua imagem, como se a sair do próprio corpo esvaiu-se em meio a escura nuvem.

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