quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O Protetor

Eu permaneci imóvel no canto do quarto, em completo silêncio, a sete dias era meu provisório local de permanência. Eu estava no vilarejo de Tarzem, Zalau, na Romênia, ao pé do monte Moldoveanu. Aqui a miséria e o abandono era irremediavelmente mortal. Um lugar que eu julgava esquecido por Deus. Mas estava muito enganado. Em uma noite fria de inverno, a neblina que cobria o vilarejo era o ambiente ideal para que o mal se fizesse presente. E exatamente por isto eu estava lá. A carruagem de cor vermelha, com o símbolo da igreja parou em frente a velha casa da família Serbav, dela desceu o padre Guilhermo, já havíamos nos encontrado em outras ocasiões, guardávamos boas e más recordações destes encontros. Sempre trazendo sua maleta e com sua casula em veludo vermelho (talvez para combinar com a carruagem) e uma capa de estofo branco. Uma estola na cor lilás com símbolo sagrado cobria-lhe os ombros, era um homem velho, mas de muita coragem, eu até me arriscaria a dizer que admirava sua fé inabalável. Logo ao entrar na casa, que estava quase em ruínas, pressentiu minha presença mas não se deteve por ela, havia um forte odor de enxofre no ar e o silêncio que vinha da noite lá fora era assustador. Apenas o barulho de seus passos era ouvido. Mas Guilhermo sabia da sua missão naquele local. No cristianismo, o exorcismo (do grego exorkismós, "ato de fazer jurar", pelo latim exorcismu) é a cerimônia que visa esconjurar os espíritos maus, forçando-os a deixar os corpos possessos ou dominar sua influência sobre pessoas, objetos, situações ou lugares. Quando objetiva a expulsão de demônios, incluem aspersão de água benta, imposição das mãos, conjurações, sinais da cruz, recitação de orações, salmos, cânticos, etc. Mas nem sempre funcionam. Além disso, o ritual católico do exorcismo pode ser executado por sacerdotes somente quando são expressamente autorizados pelo bispo. Era o caso do padre Guilhermo. Na porta do quarto apenas uma fina cortina na cor azul, no fundo do imundo cômodo uma cama de ferro estava colocada no canto mais escuro, pois somente a fraca luz de um lampião servia de iluminação ao local. Ao lado da cama,uma cadeira acomodava uma velha senhora que segurava apreensivamente um rosário entre os dedos. Jogados embaixo da cama vários pedaços de alho e galhos de ervas. Superstições sem sentido para tentar conter uma força para eles desconhecida, mas terrivelmente poderosa. Eu permanecia distante, apenas observando o que viria a seguir. Ainda não era o momento de intervir. Na cama estava Gustav, um menino de apenas nove anos, mas que já passava por terríveis tormentos psicológicos, e havia uma razão para tudo isto. Mostrava-se horrorizado pelo medo de seus próprios demônios, pelos delírios de sua mente transtornada. A abominação no espelho, o lado maligno do ser humano. Sua pobre e inocente alma estava em jogo, entre o céu e o inferno, entre o que existe de mais puro, e o que habita de mais malévolo em nossa alma. Seus braços e pernas estavam grosseiramente amarrados aos lastros da cama com retalhos de tecidos, Guilhermo largou sua maleta ao lado do porta ao entrar e observou o menino, o jovem estava bastante desfigurado, uma magreza quase cadavérica, seus pulsos e tornozelos bastante machucados pelas amarras, olhos arregalados e um suor que molhava toda sua surrada vestimenta. Mas ainda estava consciente. ---Padre, ajude-me. Disse o menino ---O que sentes ? Perguntou o padre ---Dói todo corpo, algo ruim esta em mim. Respondeu Gustav. ---O senhor esta contigo e ele te ajudará. Disse Guilhermo. Sabendo que minha presença naquele momento poderia atrapalhar seu trabalho, Guilhermo motivou-se ainda mais para provar a força de seu mestre. E é neste momento que os cavaleiros do bem e do mal exibem suas armas. Existe sempre a necessidade de separar a luz das trevas, pois as duas estão juntas na mente, no corpo e na alma. O exorcismo católico inicia-se com a expressão latina"Adjure te, spiritus nequissime, per Deum omnipotentem" (eu te ordeno, espírito maligno, pelo Deus Todo-poderoso).E foi exatamente o que ele fez, retirando de dentro da maleta um vidro com óleo, aspergiu sobre o corpo do menino,e em seguida com seu livro santo aberto proferiu as palavras e teve início, naquele local de miséria e dor, mais uma eterna luta em busca de almas. A mão esquerda de Guilhermo segurou fortemente  a cabeça do menino,enquanto orava fervorosamente pela salvação da alma daquela criança. Aproximei-me lentamente e fiquei a cabeceira da cama, era um momento de extrema tenção, era o momento derradeiro. O menino ergueu seus olhos em minha direção, certamente conseguia ver-me parado a sua cabeceira.  A avó de gustav permanecia sentada ao lado da cama, seus olhos cerrados e o rosário entre os dedos mostravam que ela estava em profunda oração pelo neto. Subitamente o menino começou a grunhir e debater-se como um animal, de sua boca golfadas de sangue eram lançadas sobre a cama, atingindo a capa branca de Guilhermo, entre gritos e lágrimas seus dentes foram sendo cuspidos juntamente com o sangue. Somente as amarras poderiam conter-lhe, tamanha era sua fúria naquele momento. A fera estava surgindo, ela é parte humana, parte caçador, parte demônio. Quando se passa do limite da compreensão humana, qualquer coisa pode acontecer, os sonhos sombios se tornam terríveis pesadelos, e os pesadelos nossa mais cruel realidade. Um vento forte tomou o local, como se em instantes a uma tempestade estivéssemos expostos. Objetos começaram a voar pelo quarto tocados pela força do vendaval. Era a luta pelo poder, pela alma de Gustav. O animal que havia dentro dele urrava raivosamente, era a fera mostrando seu poder. O mal havia finalmente possuído sua alma, o que esta no inferno não é humano, não é inocente, nada vive nele além do medo e do ódio. A hora do domínio do mal havia chegado. Aproximei-me mais da cama, pretendia tocar a cabeça do menino, este era o momento para fazer isto, a fera seria solta. Mas Guilhermo pressentindo  o que poderia acontecer, colocou seu crucifixo junto ao peito do garoto e jogou-se sobre ele, abraçando-o. Um grito igual a um animal mortalmente ferido saiu da boca do menino e ecoou no quarto, que aos poucos foi ficando em silêncio, a tempestade cessou da mesma maneira inesperada como começou. – Filho, estas livre. Disse o padre – Eu estou bem! Disse o menino, ainda chorando Guilhermo permaneceu abraçado a Gustav,ele estava liberto. Afastei-me imediatamente do local, pois mais uma alma estava em minhas mãos e foi perdida, salva pelo Protetor. ********* As criaturas angélicas estão presentes ao longo de toda a história da salvação: umas permanecem ao serviço do desígnio divino e prestam continuamente a sua proteção ao mistério da Igreja; outras, decaídas da sua dignidade – e chamadas diabólicas –, opõem-se a Deus e à sua vontade salvífica e à obra redentora de Cristo e esforçam-se por associar o homem à sua rebelião contra Deus. (do livro Celebração do Exorcismo concílio Ecumênico Vaticano)

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