quarta-feira, 23 de julho de 2014

A Última Cena

Desci apenas alguns degraus e sentei-me na primeira poltrona que encontrei, ao lado do corredor. Estava bastante escuro, poucas e pequenas luzes laterais iluminavam a velha sala do cinema Phoenix. Um forte odor de umidade adejava no ar, talvez vindo dos enxovalhados carpetes, arruinados pelas incontáveis goteiras do antigo prédio. Apenas algumas pessoas, poucas pessoas, estavam presentes quando a película teve seu início, todas intencionalmente alojadas em poltronas distantes umas das outras. No começo da película, imagens de um hospital muito antigo, em um local muito distante. Uma noite chuvosa, um homem magro aguarda na sala de espera, a noite adensa rapidamente, surge a inquietação, e então ouve-se pelo corredor o choro, o choro de uma criança, e toda história tem início. Enquanto as imagens vão alternando-se na antiga tela, já manchada pelo tempo, pessoas saem da sala de exibição, enquanto outras chegam, ouço ruídos dos sapatos, risos, e o cheiro de mofo das velhas poltronas. As imagens tremem, é as peculiaridades da história, muitas e muitas vezes contada, e a cada exibição, incluem-se novas cenas. Poderia ser um filme como qualquer um outro, uma sessão de final de tarde, mas não para mim, não este filme. Tudo nele me é familiar, as brincadeiras, a teimosia, amigos, a escola, a indiferença, a juventude, o medo e a tristeza. E os expectadores vão alternando-se a cada nova cena, dispersivos, desatentos, apenas cuidando de suas próprias vidas. A cada novo episódio, uma lembrança, o engano, a ingenuidade, a mão estendida ao carrasco, esta tudo lá, tudo no filme, sem cortes,sem dublê, sem ensaio, tudo feito no momento exato, sem uma segunda chance para refilmar. Nada me parece estranho, ninguém é a mim desconhecido, talvez estivessem apenas jogados na caixa do esquecimento, e poderiam ter ficado lá, Como antigas fotografias em um velho álbum. Com o decorrer da película, as luzes parecem definhar a cada cena, a plateia vai reduzindo-se rapidamente, a sala vai ficando silenciosa, sombria, melancólica. Procuro acompanhar com toda atenção as últimas cenas, mas a imagem já é turva, difusa, sem quem eu possa distinguir quem nela esta. A sala esta agora quase completamente vazia, um sopro gelado circula por entre as fileiras de poltronas, antes do desfecho final, e as luzes,já extremamente fracas, se extinguirem por completo, jogando um breu sobre o velho cinema, percebo que além de mim, apenas mais três pessoas ficaram, como eu, até o final. Um jovem magro, muito parecido com o magro homem do início do filme, uma jovem muito bela, e uma senhora de cabelos longos e grisalhos. Faltando segundos para que a última cena termine e finalmente, as luzes se apeguem, consigo ver que os três, sentados na mesma fileira que eu, estão olhando-me e sorrindo docemente, com carinho, fecho meus olhos, e uma paz acalentadora invade meu coração.

O Homem e seu tempo

Lúcio Aneu Séneca, um dos mais célebres filósofos estoicos do Império Romano, escreveu em sua obra ``A brevidade da vida´´ que o homem de...