quinta-feira, 23 de agosto de 2018

O Mistério da Rua Lazzo

Moldávia 1859 Na rua Serguey Lazzo 665, na cidade de Chizinau, capital da Moldávia, ao lado direito da rua, no sentido de quem está subindo, não muito longe da Nativity Cathedral Metropolitan, há uma velha casa de pedras desgastadas pelo tempo, janelas altas e estreitas. No fundo existe uma cozinha com enormes e enferrujados fogões, e no jardim fornos de pedras, em um pátio onde as plantas já há muito tempo não veem uma poda e as ervas rasteiras crescem sem controle. Tudo encoberto por um muro de elevada altura. O proprietário, sir Maitrê Lovenzhi, mantinha ali um restaurante chamado “Lê Taureau Sauvage”, frequentado pela alta sociedade local. E tinha a culinária francesa como seu principal atrativo. Durante toda minha vida fui fascinado por acontecimentos estranhos, obscuros e perturbadores demais para serem reais, e é sobre o mistério acerca de sir Lovenzhi que passo a contar-lhes a seguir. Desvendar um mistério nunca é uma tarefa fácil, aqueles que sabem o que aconteceu não falam e aqueles que falam geralmente não sabem de nada Era primavera na Moldávia, as flores brancas do guiocei estavam por toda parte. O pais já sobre o governo do príncipe Alexandry Cuza a polícia da Moldávia buscava indícios de conspiradores contra o principado, que há pouco havia assumido o poder. Após o misterioso desaparecimento de Lovenzhi a alguns meses, o inspetor Sheppard e a polícia local resolveram então inspecionar o abandonado estabelecimento do Maitrê francês. Atendendo ao convite de Sheppard acompanhei o inspetor naquele final de tarde, início de noite em Chizinau. Não foi difícil adentrar ao velho “Sauvage”, que mais parecia um mausoléu, dado o seu estado de completo abandono. Sheppard estava convencido que o proprietário ocultava algum segredo por trás das pesadas paredes de pedras. Segredos obscuros, que normalmente terminam muito mal. Lovenzhi era um homem solitário e tinha apenas três funcionários, Meiwes, Cavanoh e Eulav, e havia lugares na casa que nem seus empregados tinham acesso. Com seu súbito desaparecimento, todo o mistério aumentara, mistério este que o inspetor estava determinado a desvendar. Ao chegarmos ao local fomos de imediato onde parecia-nos ser o escritório, encontramos sobre uma velha e empoeirada mesa de carvalho pilhas de antigas cartas e mapas da cidade, livros de origem estranhas e em um pequeno baú de madeira encontramos velhas moedas e medalhas enferrujadas. Sheppard de imediato pegou um dos envelopes, caminhou até o canto da sala e acendeu uma vela, aplicou um leve calor ao papel para fazer surgir qualquer escrita que por ventura estivesse escondida. No silêncio da sala, o único ruído era de nossas mãos vasculhando os papéis. Aos poucos se foram revelando fórmulas para poderes secretos, mistérios das ciências ocultas, profecias místicas estavam ali reunidas em uma caligrafia quase ilegível. Além de um amontoado de anotações e desenhos referentes a anatomia humana e procedimentos médicos. O inspetor, tomado pelo sua inegável intuição, com um lampião erguido em sua mão esquerda esgueirou-se por detrás de alguns barris de vinho que ficavam no fundo da velha cozinha, abrindo uma pequena porta tinha-se acesso a um túnel, cujo local era escorregadio devido à presença de águas fétidas que escorriam pelas fendas das grossas pedras. No final do estreito corredor encontramos uma câmara abobadada iluminada apenas pelos pequenos archotes que carregávamos em nossas mãos. Nossas sombras eram como espectros a surgir das paredes. Era uma cena, no mínimo, assustadora e intrigante. Adentrei mais ao fundo, por um instante pareceu-me ter alguém a olhar por sobre meus ombros e senti um forte odor de algo apodrecido, estremeci de medo, meu interesse se aguçava a cada passo enquanto investigava arrebatado de curiosidade o interior do até então desconhecido local. Em um canto, dentro de uma pequena caixa encontrei vários frascos de terebintina, uma essência em forma de resina vinda das coníferas. Mesmo parecendo estar ali a muito tempo, ainda podia sentir-se o cheiro fortíssimo de pinho. O aroma de terebintina nos fez pensar que estavam ali para esconder algo de natureza terrível, pois sua essência conseguiria facilmente dissimular qualquer fetidez. Acidentalmente esbarrei em um armário, que se movendo lentamente acionou um elaborado sistema de alavancas que nos levariam surpreendentemente a uma outra câmara. Nessa segunda câmara encontrou-se algo anômalo, incompreensível, se eu não estivesse junto não acreditaria. O inspetor ficou confuso, surpreso e horrorizado com nosso achado. Eram vários ossos que poderiam ser humanos devido ao tamanho e formato. Além disso, também havia roupas carcomidas, provavelmente por ratos e traças, mesas como as encontradas em açougue com facas, cutelos, serras e ganchos. Certamente passarei o resto de minha vida lembrando-me daquele momento. Existiria a possibilidade de Lovenzhi usar carne humana em seu estabelecimento? Um experimento doentio tinha ali acontecido? Para o inspetor Sheppard esta possibilidade teria uma grande probabilidade de ser verdadeira. Nada tinha a ver com demônios que espreitam suas vítimas ao anoitecer, fantasmas e espectros que assombram os bosques, gatos pretos roubando seu ar, e o diabo se escondendo nos matagais para roubar sua alma. Oque estava ali era muito real e horrendo. A morte é a principal ameaça, a preocupação obsessiva do homem desde Que abandonou as cavernas, dentre todos os animais só o homem sabe que assim como nasceu terá que morrer um dia. E isto é perturbador. Era uma quantidade inacreditável de ossos, em alguns encontramos algumas joias e entre elas havia um brasão em uma túnica com a imagem de uma espada atravessada em uma ave de rapina, o qual o inspetor reconheceu como sendo de uma família abastada de Chizinau, os Piaget’s, que subitamente deixaram a cidade. Poderia ser uma coincidência, mas era bem pior que isto. O patriarca da família Piaget’, sir Edmond, era um homem austero, por vezes mal educado, era frugal, tinha um passado assombroso o qual tentava esconder, quando era comandante do exército russo era conhecido como krasnyy palach (carrasco ruivo), contou-me o inspetor. Mas ao desconfiar da possibilidade de Lovenzhi ter matado o seu irmão Ferdinando, a quem o maitrê devia uma elevada quantia em dinheiro, a sua natureza se transfigurara, voltando a ser o que fora no passado, simplesmente para descobrir o que realmente havia acontecido com seu irmão, ou seja, a verdade. Esta mudança de comportamento pode ser uma das prováveis causas do estranho desaparecimento do proprietário do “Le Taurem Sauvage”. Afinal a vida pode ser injusta, mas a morte também. Sheppard lembrou-me que havia notícia de sumiço de mendigos em jornais locais, em especial o Les Medie International. O inspetor disse novamente que os Piaget’s saíram subitamente da cidade, mas Ferdinando, que era considerado a ovelha negra na família fora encontrado por inúmeras vezes jogado nas vielas, desmaiado devido ao abuso de álcool, o jovem havia sumido enquanto sua família ainda estava na cidade. Poderia ser dele alguns dos ossos que encontramos nessa segunda câmara, já que se achou um brasão com desenho parcial de uma espada em um botão de casaco destruído. E logo após a saída da cidade da família do sir Piaget’s, Lovenzhi desapareceu. Será que o mistério começava a ser desvendado? Havia informações não confirmadas de que esta família praticava magia negra antes de vir para Chizinau, havia rumores que tinha um passado obscuro, e isso fez com que mudasse para a tranquila Moldávia. Contavam que a fortuna dos Piaget’s teria sido adquirida de modo usurpador, falavam que o patriarca da família era um hábil hipnotizador e usava esse talento para induzir as pessoas a fazerem qualquer coisa para seus interesses particulares, como matar, roubar, e deste modo teria feito sua fortuna, outros ainda diziam que fora adquirida em sangrentas batalhas, mas ao certo ninguém sabia, apenas que eles tratavam bem a todos, mas sempre reservados, mantinham-se longe dos comentários e em poucas ocasiões saiam de sua mansão. Teria Edmond desconfiado ou descoberto que Lovenzhi usaria carne humana em seu restaurante, e que teria o maitrê matado Ferdinando por causa da dívida? e então feito justiça com as próprias mãos matando o maitrê e saído da cidade com a família, ocasionando todo esse mistério? Poderia isso ser possível? Diante das evidências que encontramos naquela casa do terror, qualquer pensamento por mais insano que possa parecer seria no mínimo razoável. Os Piaget’s teriam ido para lugar desconhecido, talvez até tenham mudado de nome. Mas como achá-los? Fomos então a procura dos antigos empregados do restaurante, segundo um dos funcionários do Lovenzhi, Cavanoh, que nos confirmou algumas hipóteses, nos contou a história sobre a mulher do seu patrão, Clarisse, que morreu tragicamente atropelada por cavalos que se soltaram de uma carruagem da família Piaget`s. Perguntamos por que não informar a polícia antes, disse que fora ameaçado de morte pelos Piaget´s se contasse a alguém. E desde então Lovenzhi estaria transtornado e obcecado para trazer de volta à vida de sua amada. Para tanto estava usando práticas da transfusão de sangue humano para ressuscitar sua amada. E se isto pareceu-nos medonho, soubemos então o que ele fez com os pedaços de suas vítimas. Como tinha carne humana vindas dos crimes que cometia, resolveu usar no seu restaurante .Talvez Lovenzhi tenha perdido mais que sua companheira, naquele momento havia perdido também sua sanidade. Ele desafiou o destino, mas nunca deve-se desafiar o que não podemos controlar. O que disse o homem foi confirmado pelo inspetor ao encontrar em uma velha e suja banheira o cadáver de uma mulher, possivelmente a esposa de Lovenzhi em completo estado de putrefação. Tubos, seringas e finas mangueiras de borracha achados ao lado do corpo confirmavam as incontáveis tentativas, mas sem sucesso, de ressuscitação de Clarisse. Era uma cena monstruosa e aterradora, onde o espírito mesmo depois de morto não encontra o seu devido descanso. Por fim Cavanoh confirmou que Edmond havia matado seu patrão, com uma espada de lâmina curva com o cabo de Madri pérolas e com dizeres em latim ``Hic est, hic est Honos´´(aqui se faz, aqui se paga), deixada cravada no crânio do demoníaco açougueiro, levando-o a morte quase imediata. Com certeza o instrumento do crime deixado no local era uma mensagem do assassino. – se tivesses consciência, jamais teria acontecido isso, essa barbárie que também me fez fazer. Após encontrar o corpo de Lovenzih, Cavanoh colocou seu patrão em uma cova rasa nos fundos do velho restaurante. As peças do intrincado mistério começavam a se encaixarem. O patriarca dos Piaget`s novamente assumia sua posição de cruel carrasco para vingar a morte do seu irmão. E esse mistério, essa história que iniciou como um simples sumiço, teve um macabro e quase inacreditável fim. Onde a insanidade, vingança e crueldade foram seus panos de fundo.

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