sábado, 23 de junho de 2018

A Dama da Ponte

A noite estava extremamente gelada, a neblina inclemente cobria toda a  London Bridge. A madrugada, juntamente com o inverno inglês, traziam a gigantesca ponte que cortava Londres ao meio, sobre o rio Tamisa, um ar melancólico e abandonado. Era quase impossível ver as águas do rio, a névoa era intensa. Porem eu já me acostumara com aquele cenário, minha residência era no numero 123 da St. Tooley, e atravessava todas as noites a portentosa London Bridge para chegar a St. Lower Thames, local onde se amontoavam tabernas e casas de jogos, meus passatempos favoritos. Naquela noite em particular, fui surpreendido por algo que jamais esqueceria, e que, com certeza, me levaria no mínimo a refletir sobre a relevância que cada um de nós atribui a si próprio. Já passava das quatro horas da manhã, havia eu erguido a gola de meu sobretudo, na inútil tentativa de proteger-me do vento que não era forte, mas envolvia-nos como em uma geleira gigantesca, quando avistei sobre um dos paredões de pedras na lateral da ponte uma fisionomia corporal que a princípio me pareceu ser de uma mulher, fato que se confirmou após minha cautelosa aproximação. Sentada sobre o muro de pedras estava uma jovem, ou assim me parecia, que ao me perceber chegando apenas virou o rosto para observar quem era o noturno transeunte, e depois retornou a fixar seus olhos nas águas do Tamisa, cobertas pela quase assustadora neblina. A poucos metros da estranha contempladora das águas observei por alguns instantes aquela cena. Uma mulher que a analisar pelos traços de seu rosto,deveria estar na casa dos trinta anos, cabelos longos escuros soltos sobre os ombros, um vestido de longas mangas na cor lilás que cobria até os pés, e sobre os ombros um imenso xale de renda preto .Não havia colares, pulseiras, tampouco brincos. Sentada com os pés na parte externa da murada e as mãos respectivamente apoiadas no colo, parecia serenamente apreciar algo em meio noite escura. Quem seria esta dama da ponte? Estávamos em 1862, a Inglaterra passava por uma crise financeira muito grande, e muitas operárias das fábricas após a demissão se aventuravam pelas noites londrinas para buscar algum dinheiro para sobreviverem. Mas a falta de adereços e o rosto sem maquiagem me lavaram a pensar que a sorte havia esquecido a figura noturna da London Bridge. – Boa noite Senhorita...posso ajudá-la? Perguntei, – Creio que não. Disse ela sorrindo. Enquanto respondia a minha indagação, mudou lentamente sua posição na murada e girou seu corpo colocando os pés ao lado de dentro da ponte, Fato que me deixou, admito, mais tranquilo. – Não pensei encontrar alguém a esta hora, neste lugar tão deserto. Disse eu, enquanto recostava-me próximo a ela.. – Nasci neste local.  Disse ela. E continuou.... – Minha mãe deu a luz embaixo desta ponte, cresci pelas vielas de Londres comendo as sobras nas portas das tabernas. – Mas estas bem-vestida, a vida com certeza legou sorte em seu caminho. Argumentei… – Recebia presentes de um distinto cavalheiro, em troca de alguns favores.. Respondeu ela...rindo de maneira discreta, quase imperceptível. – Mas isso foi a muito tempo, homens com dinheiro querem mulheres mais novas! Concluiu. Não havia dúvidas que a mulher de longo vestido lilás tinha passado uma vida de agruras e submissão. São personagens e dramas que só a noite traz, e durante o dia não encontramos. Um ser pensante mas sem ambição alguma,apenas passando pela vida, é no desprezo pela ambição,que reside – Podes dizer-me teu nome? Perguntei – Se eu falar-te meu nome como saberás que não estou mentido? Disse ela enquanto sorria, um sorriso melancólico . – Tudo termina onde começa, no espetáculo da vida o palco acaba sempre no escuro, no nada, no breu! Prosseguiu ela... ---Um pesadelo nascido dos meus temores mais profundos pegou-me vulnerável. Vestígios sussurrantes liberados pelo impiedoso tempo e pela infinda distância, pela vida miserável daqueles que para a sociedade são invisíveis. Enquanto falava,abriu lentamente seu xale, uma mancha de sangue estava estampada em seu vestido na altura do tórax. Ela estava ferida, mas parecia não se importar com o ferimento que sangrava. E contínuo…. ---A alma,quando solta é tocada por todos, mas nunca é acalentada por ninguem. Trilhando seu caminho guiada por uma mão imperceptível. O meu futuro não trarme-a nada além do meu insignificante passado refletido de volta para mim mesmo, como já disse, tudo acaba onde começa. Busquei aproximar-me, preocupado que estava com o sangue que se expandia pela frente do vestido. Mas erguendo sua mão direita aberta em minha direção a desconhecida mulher sinalizou para que eu não prosseguisse. Naquele momento pude ver entre os dedos de sua mão, enrolado, um pequeno rosário com uma cruz de madeira presa a ele. Seria possível, no momento de maior martírio daquela alma, existir algum alento divino que pudesse aplacar aquele sofrimento? Sem baixar a mão ela continuou a falar. ---Quando estou neste local sinto-me em casa, nasci aqui entre os pilares, enfrento todos os dias verdades que não posso negar, e como sempre as enfrento sozinha. Até que finalmente chego ao fim, ao meu fim, volto para casa. Dizendo isto, sem que pudesse eu fazer qualquer movimento, deixou-se cair de costas nas águas nevoentas do Tamisa. Corri imediatamente para borda da ponte, mas o que pude ver foi apenas o lilás de seu vestido desaparecendo lentamente, e ouvir o som de seu corpo de encontro as águas.  Permaneci ali por mais alguns minutos, o silencio abraçava a escuridão, os longínquos lampiões mal iluminavam seus próprios mastros, então segui meu caminho até o numero 123 da St. Tooley. Jamais esqueci a dama da ponte, e jamais fiz saber a quem quer que fosse, o que se sucedeu naquela noite.   

O Homem e seu tempo

Lúcio Aneu Séneca, um dos mais célebres filósofos estoicos do Império Romano, escreveu em sua obra ``A brevidade da vida´´ que o homem de...