quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O Mágico da Capa

Tenho a esperança de iluminar com meus relatos uma verdade desconhecida. Sempre começa com uma certeza eloquente de que minha jornada traz não só o entendimento do inexplicável como também a viagem ilusória do leitor, que faz com que e os mistérios mais primitivos sejam por fim revelados. Talvez esta crença seja falsa levando-me a ignorância extrema, mas os limites entre o real e o imaginário são tão hipotéticos que quando me perguntam se creio no inacreditável apenas respondo : O que poderíamos considerar realmente inacreditável? Mas vamos diretamente aos fatos. Era uma chuvosa noite na cidade portuária de Sant Ives no condado de Cornwal, Inglaterra. Esta localidade litorânea banhada pelo Oceano Atlântico tinha na pesca sua maior fonte de renda, visto que todo o comércio local ficava no arredores do velho porto Black Seal. Eu havia saído da igreja católica La Santa de La Cornualha onde com grande pesar despedi-me de meu velho amigo James Holffer. Empresário local que falecera prematuramente por conta de um acidente em uma de suas áreas de mineração. A data era 16 agosto de 1893 . Após a fúnebre despedida percorri as estreitas e tortuosas ruas do local até chegar a taverna Sloop In, onde pretendia esquecer aquele momento tétrico com algumas doses de Brandy. A taverna estava abarrotada pois era ponto de encontro de pescadores e demais moradores do vilarejo. Algumas jovens vestindo roupas típicas das mulheres camponesas atendiam alegremente os clientes. Logo ao entrar depositei meu corpo cansado na primeira banqueta que encontrei próximo ao balcão, e pedi ao taverneiro minha bebida, e enquanto aguardava observei um homem bastante magro coberto por uma capa na cor vermelha muito semelhante ao estilo usado pela realeza, toda ela coberta por pequenas pedras de intenso brilho. O tal homem no centro do salão fazia o deleite dos frequentadores com seus números de mágica e ilusionismo. Entre o desaparecer de um simples lenço até o completo domínio de algum voluntário através da hipnose o esguio artista recolhia aplausos e algumas moedas que lhe eram jogadas ao chão. Era sem dúvida uma singular figura, creio eu estar ele na casa dos cinquenta anos, tinha um ar circunspecto. Lembrei-me de imediato o que meu amigo Volteire disse-me certa vez: – O destino coloca mais rugas em nosso espírito do que em nosso rosto. Que segredos estariam encarcerados nas profundezas do espírito daquele mestre das ilusões? Pois bem, o homem de aparência minguada olhava com alegria a todos, tinha cabelos pretos e largas costeletas que cobriam boa parte do franzido rosto. Enquanto encantava a todos com seus truques girava sua capa exaltando a luminescência de seus incontáveis adornos, creio eu serem pedrarias de cores variadas que cobriam quase totalmente a veste chegando até o chão. Devo admitir que era uma indumentária digna dos grandes reis. Já era por volta de vinte e três horas quando adentrou a taverna alguns soldados chamando a todos a atenção pela balbúrdia que faziam, a princípio pareceu-me ser em número de sete e um deles que se destacava pelo uniforme mais ostentoso e com medalhas com lhe cobriam boa parte do peito, tinha um sorriso desmedido e até mesmo exagerado, era com certeza o comandante, ou algo assim. – Meu nome é Capitão Theodor e sou o Rei dos Mares. Disse o homem. – Meu navio está no cais e lá vai ficar até o fim desta pestilenta tempestade, por isto eu e meus homens queremos diversão. Dizendo isto se recostaram todos no balcão a beber e a dizer gracejos as taverneiras enquanto seu capitão tinha a atenção voltada ao velho mágico que havia interrompido sua apresentação devido a entrada triunfante dos marinheiros. – O que vais fazer para entreter-me? Velho decrépito. Perguntou com arrogância o lobo do mar enquanto apontava para a figura ao centro da sala. – O que posso eu fazer nobre senhor para agradar-lhe? Respondeu o mágico. O capitão vendo a submissão do artista caminhou até onde estava o servil ilusionista e retirando seu sabre da cintura colocou a ponta do metal no pescoço do assustado homem. – Quais truques ou perigos podes me apresentar moribunda criatura Disse o capitão. ---Que podes me apresentar que em minhas viagens já não conheça? Conclui ele enquanto empunhava o sabre com extrema altivez fazendo ajoelhar a seus pés o intimidado homem da capa brilhante. – Vejo que és um homem de coragem,meu senhor. Disse o velho. – E creio ter algo que tem a grandeza de vossa majestade. Os acontecimentos até então presenciados por mim fez-me concluir que o nosso valente capitão do mar passava por um total descontrole de moralidade, decência e respeito. Fato este que o levou a um desfecho deveras surpreendente. Enquanto o velho movia-se vagarosamente ainda com o fardo do metal do sabre em seu pescoço, lentamente tirou sua tão preciosa capa e ainda joelhos, como a implorar alguma indulgência, colocado-a sobre um dos braços e a ofereceu como presente ao seu opressor. Por alguns momentos notei que o silêncio havia tomado o ambiente, todos ali observavam o desfecho de tão inesperado episódio. Theodor fascinado pelo intenso brilho das pedras que cobriam toda capa tratou de guardar seu instrumento de tortura e com apenas um movimento jogou a capa sobre seus ombros, movimento este que trouxe uma cintilância ainda maior aos ornamentos do manto. O sorriso que já era detestável tornou-se ainda mais repulsivo. – Como rei dos Mares. Disse o marinheiro com soberba. – Tenho agora meu manto real. Enquanto falava com seu braço esquerdo desferiu vigoroso golpe no rosto do já amedrontado mágico, jogando-o por completo ao chão. – Saia de perto do rei sua escória humana! Naquele momento, para espanto de todos ali presentes a cena repugnante que assistíamos até então tomou um caminho que desafiaria o mais céptico dos mortais. O mágico caído ao chão apenas arrastou-se para longe sem tentar erguer-se enquanto Theodor ria debilmente com seus braços erguidos como se a comemorar vitória sobre o impotente adversário. E foi neste momento que a tão desejada capa, como a encarnar os dons mágicos e arrisco dizer diabólicos de seu antigo dono enrolou-se cobrindo por completo o audacioso Rei dos Mares. O brilhar de seus adereços fulguravam intensamente como a ofuscar nosso olhares e em alguns segundos o intrépido marinheiro transformou-se em uma incandescente tocha humana. A capa de labaredas levou-o rapidamente ao chão da taverna. O valente agressor debatia-se ferozmente mas nada pode ser feito para salvar-lhe a vida e entre os mais horrendos gritos de pavor nas chamas o intrépido Rei dos Mares foi queimado, derrotado por sua arrogância. Enquanto toda atenção era para o capitão o velho ilusionista desapareceu, e nunca mais foi visto em Sant Ives.

O Homem e seu tempo

Lúcio Aneu Séneca, um dos mais célebres filósofos estoicos do Império Romano, escreveu em sua obra ``A brevidade da vida´´ que o homem de...