sexta-feira, 22 de março de 2019

A Última Viagem

Rapidamente atravessei o porto de Londres pois estava deveras atrasado para a viagem mais esperada por mim até então. A data era 19 de maio de 1872. Meu amigo e capitão John Franklin estava para partir com seu gigantesco navio cargueiro Erebus, tendo como destino o Ártico Canadense. Abordo estavam 84 oficiais, 35 homens de expedição e 6 cientistas. Nosso objetivo era navegar através das águas traiçoeiras que separavam os oceanos Atlântico e Pacífico. A embarcação liderada por John Franklin tinha como missão coletar amostras e realizar estudos científicos por regiões que julgávamos serem ainda inexploradas. Como havia recebido o convite do amigo John integrei-me a expedição para registrar por escrito as aventuras nos mares gelados pelo qual tencionávamos passar. Era uma expedição de pesquisa e não sabíamos ao certo o que iriamos encontrar pelo caminho, mas a tripulação era formada por homens com vidas espartanas, frugais pesquisadores, dispostos a qualquer sacrifício para permitir a realização de seus ideais. Tratei imediatamente de acomodar-me em uma pequena cabine, sabia haver outras de tamanho e acomodações mais agradáveis porém aquela tinha algo de especial para mim pois ficava ao lado da ponte de comando, fato que me era muito favorável visto que tinha que estar atento a todos os detalhes daquela magnífica aventura. Após todos estarem devidamente acomodados e as últimas providências tomadas partimos lentamente do porto de Londres. Muitas pessoas vieram dar seu acesso de despedida a tripulação, que retribuía também com acenos e sorrisos. Por três longos dias permaneci em minha cabine tentando entender aquela pilha de cartas náuticas sobre em minha mesa e degustando o mais puro malte escocês que foi gentilmente destinado a mim pelo capitão. Durante a noite circulava pelo convés na companhia de John enquanto ouvia do capitão uma breve narrativa de suas inúmeras aventuras pelos sete mares. Somente em uma determinada noite enquanto caminhávamos percebi na penumbra da noite que envolvia a embarcação como um escuro manto, que algo de diferente parecia se ocultar na nimbosa noite. Aproximei-me o máximo possível da borda do tombadilho e esforçando-me para ver mais distante percebi uma singularíssima nuvem isolada no lado noroeste do céu. Distinguia-se não só pela sua cor acinzentada mas também por formar um gigantesco véu. Mesmo mergulhados em uma escuridão profunda da noite aquela nuvem se aproximava rapidamente. O capitão disse sem dúvida que se tratava de um forte nevoeiro, o que confesso me deixou um tanto quanto temeroso quanto ele concluiu sua observação afirmando que diversas vezes havia navegado naquela região e jamais avistara qualquer nevoeiro. A nuvem aproximou-se com uma velocidade espantosa e em meio ao gélido nevoeiro que já começava a penetrar a polpa do navio pude ouvir a capitão John perguntar ao imediato; --- Em que ponto do pacífico estamos? E a resposta foi imediata --- Desculpe senhor, mas os instrumentos de navegação pararam. Jonhn e os marinheiros assumiram seus postos na cabine de comando para tentar resolver o problema enquanto o restante da tripulação dormia sem saber o que se passava naquele momento, e repentinamente houve um silêncio mortal que permaneceu por quase um minuto, durante o qual a queda de uma folha ou o flutuar de uma pena poderiam ser ouvidos, isto porque os motores paralisaram totalmente e a densa nuvem engoliu o majestoso cargueiro sem que pudéssemos visualizar a um metro de nosso olhos. Não sei bem por que motivo, mas imediatamente me veio a mente a casa onde morava na St. Toole 123 e a imagem de Aurora, minha já falecida esposa. Minha amada faleceu aos vinte e três anos de idade e deixou um vazio martirizante em minha alma, e em devaneios a vejo chegando e sorrindo e por efêmeros minutos sinto retornar o sentimento de afeto que ela por três magníficos anos dedicou a mim. Mas jamais imaginaria oque estava por acontecer naquela noite. Um sopro de vento gelado percorreu todo o convés e a nuvem aos poucos foi se tornando menos densa e foi possível visualizar a proa do navio quase por completo causado-me a reação mais apavorante que se possa imaginar, encontrava-me sozinho envolto naquela névoa que me tirava o fôlego. Agarrado as bordas do tombadilho vaguei cambaleante, estonteado que estava pela imersão naquela neblina diabólica, tentei sem sucesso encontrar alguém da tripulação ou do grupo de pesquisa, as luzes completamente apagadas, os motores desligados, e um silêncio mais apavorante que o uivo de um animal feroz. O cargueiro Erebus estava abandonado nas águas gélidas do Canadá. O descontrole e o pavor tomou conta de meus sentidos, desesperadamente dirigi-me a escada que levava a sala de comando, subi a correr e não foi surpresa o que encontrei, a sala estava vazia e o leme girava como se alguém o controlasse, a bússola gravitava para todas as direções. Estávamos a deriva no oceano e encobertos pela escuridão. Gritei duas vezes pelo nome de John mas foi em vão, já pensava em esconder-me esperando amanhecer para entender o que de tão inacreditável havia acontecido quando um som cortou a tenebrosa neblina e chegou aos meus ouvidos, pareceu-me uma voz longingua, alguém chamando ou pedindo socorro, então desci a correr as escadas da sala de comando tentando identificar a direção daquela voz que poderia ser de algum tripulante, que certamente como eu deveria estar tomado pelo mais terrível pavor. Enquanto me aproximava mais e mais da proa do fantasmagórico navio o som chegava com mais clareza e um sentimento aterrador dominou-me quando, gelando até o fundo de minha alma em meio aquela infernal neblina alguém chamava por mim. Meu nome era ouvido em todas as direções acompanhado com o som de lamentações, um lamento com uma voz feminina e por demais aterrorizante, lembrando-me novamente de minha esposa Aurora em seus momentos finais de vida, mas tudo aquilo parecia absurdo, talvez fosse um pesadelo. Tentei permanecer lúcido, racionalizar aquele momento ilógico, mas o som vindo sei lá de onde perecia-me sair dos cantos mais profundos do inferno e ressoava entre a escuridão e neblina em uma combinação diabólica entranhando-se em meus ouvidos. Pensei ser aquele momento o meu juízo final e muito provavelmente aqueles que não mais vejo estariam todos salvos, somente eu havia ficado para vagar pela eternidade neste mar de lamentações e penúrias. Caindo de joelhos no convés da embarcação, com a cabeça entre as mãos desejei fervorosamente nunca ter estado ali, nunca ter embarcado naquele navio pois não sabia qual destino seria traçado para mim. Continua…

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